quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Aventuras negras (1)

"Na Madeira, ele era tu cá tu lá, com toda a gente, fosse com o povo ou com senhores da terra. Aliás, todos o tratavam por 'Cajó'. Tanto ia a recepções políticas, como andava no beija-mão aos empresários. Com os dirigentes de futebol, com esses, andava de braço dado. A certa altura, até aceitou integrar a direcção do 'Nacional da Madeira'. A forma desbragada como falava evidenciava como de adaptara bem à Ilha. Uma vez terá dito_ 'o melhor que pode acontecer a um toxicodependente é morrer'. A afirmação caíu mal no Tribunal. De outra vez, pegou-se com um polícia. 'Chegou a ameaçar que o mandava meter o crachá no ... se tivesse de ir à esquadra'. Sucede que ele era o Procurador da República, que chefiava todas as investigações criminais na região.

Um dia surgiu a estória da busca. Estava-se na fasa escaldante do caso 'Apito Dourado', uma investigação sobre corrupção no futebol. Os investigadores de Lisboa pediram aos seu colegas do Funchal para passarem uma busca a casa do presidente do 'Nacional'. Passaram-se dias e dias e nada. Ninguém entendia tanta demora. Após inúmeras insistências, finalmente lá houve luz verde. Quando a polícia chegou a casa do dirigente desportivo ainda não eram 8h da manhã. O resto da estória veio contada nos jornais. 'Os inspectores da Polícia Judiciária bateram á porta, mas foram impedidos de entrar, tendo percebido que, lá dentro, estava também nem mais nem menos que o próprio Cajó. Só perante a ameaça de que arrombariam a porta é que os inspectores conseguiram realizar a busca.'
Que justificação haveria para o chefe do Ministério Público conviver com o arguido de um processo-crime? A explicação é simples e foi o próprio que a deu. Fora assistir ao jogo Benfica - Nacional e, como o festejo acabara tarde, optara por dormir em casa do presidente do clube madeirense que, apesar de ser arguido, era, antes disso, seu amigo.

Na Madeira, pelo menos, ninguém deu importância ao assunto. Porém, a certa altura um deputado regional provoca alvoroço com as acusações que faz em pleno parlamento. 'Por causa da negligência, laxismo, favorecimento e cobardia de alguns magistrados do Ministério Público, a força do regime autonómico está na corrupção.' O assunto salta imediatamente para as manchetes dos jornais e o deputado é convocado para ir a Lisboa reunir-se com o Procurador-Geral da República. Entrega um dossier com casos suspeitos - um processo arquivado aqui, acolá outro parado há vários anos, ali um jeitinho, em todos eles detectavam-se ramificações a políticos ou empresários. Porém, o que sobressaía era o futebol. Mais uma vez, no caso 'Apito Dourado', dos seis pedidos de investigação enviados para a Madeira, apenas dois tinham prosseguido.

Tornara-se impossível continuar a assobiar para o lado. Cajó teve à perna uma inspecção disciplinar. Para além da paralisia da investigação, descobriu-se outra coisa. O procurador tinha comprado um apartamento - um T2, novinho em folha -, no centro do Funchal. Todavia, não teve de desembolsar um tostão. Fizera uma permuta com o apartamento que possuía na Maia. O negócio, curiosamente, envolvia a empresa imobiliária do seu amigo, o tal presidente do clube de futebol local. E, aí sim, poderia haver tráfico de influências ou até mais do que isso. 'O imóvel adquirido no Funchal foi avaliado em 200 mil euros, embora da escritura conste um valor de 160 mil euros; por outro lado, o preço da fracção imobiliária de que era dono e dada em troca - situada na Maia -, sofreu um empolamento de cerca de 68 mil euros.' Ou seja, por junto houve um 'desconto' à roda dos 100 mil euros. Eis a conclusão a que chegou o inspector do Ministério Público.

O procurador foi constituído arguido por corrupção passiva - mas o processo acabaria arquivado - juridicamente faltava o chamado ' nexo causal' entre a vantagem patrimonial e qualquer favorecimento ao amigo. Restou um problema - o que fazer a Cajó. Teriam de o transferir, mas alguém lembrou que, para além da área criminal, ele não possuía grande experiência noutras áreas jurídicas. Mesmo assim, o procurador nem tugiu nem mugiu quando o transferiram para o Tribunal de Família e Menores. Sobre as peripécias na Madeira, disse à imprensa que não se pronunciava. 'São assuntos que têm a ver com a minha privada.'"


Este caso soube pela Benfica Tv, ainda antes de começar a ler o livro, por isso o escolhi para começar esta série de casos negros da nossa Justiça. António Pragal Colaço, ilustre Colega que o contou no programa "45 minutos", adiantou ainda que o procurador por lá continua, no Tribunal de Família e Menores do Funchal.
Sinceramente não sei o que será pior, se a promiscuidade entre Justiça e negócios (neste caso, futebol) - como é que um procurador do MP dorme em casa de um suspeito/arguido em processo-crime que ele própria investiga? - ou se o assobiar para o lado por parte dos colegas, que tinham a obrigação de investigar o caso e só o fizeram quando o deputado regional a ele se referiu no Parlamento Madeirense e o tema passou para as manchetes dos jornais nacionais (do Contenent). Como diz o povo, 'venha o Diabo e escolha'...

2 comentários:

cabral pinto disse...

só mesmo pela Benfica Tv. O tal canal de serviço publico segundo o Dr. Ricardo que não é Costa...

Portas e Travessas.sa disse...

A BenficaTV é para sócios assinantes. - já o Canal Porto, esse sim, é público