"O Tribunal Constitucional considera que a fórmula de cálculo do rendimento para efeitos de apoio judiciário viola o acesso ao direito e aos tribunais, consagrado no artigo 20.º da Constituição da República.
Os juízes entendem que esse direito é violado pela lei do apoio judiciário, "na parte em que impõe que o rendimento relevante, para efeitos de concessão do benefício do apoio judiciário, seja necessariamente determinado a partir do rendimento do agregado familiar, independentemente de o requerente fruir tal rendimento".
No primeiro acórdão que proferiram sobre esta matéria, Maria João Antunes, Carlos Pamplona de Oliveira, Maria Helena Brito, Moura Ramos e Artur Maurício dão razão a um estudante, com uma bolsa mensal de 100 euros , a quem a Segurança Social (SS) negou apoio judiciário, com base no rendimento da avó, com quem vive.
A partir da fórmula de cálculo prevista na lei, a SS juntou os 100 euros do estudante à reforma da avó, descontou-lhe o necessário para bens essenciais, encargos com habitação, etc., e concluiu que o estudante não teria direito à dispensa do pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo, nem a advogado oficioso. Com o montante apurado, apenas teria direito a pagar tudo isso, faseadamente.
O jovem recorreu judicialmente daquela decisão para o Tribunal Cível de Lisboa, alegando que não auferia aqueles rendimentos e que nem dispunha de meios para o pagamento faseado. O tribunal deu-lhe razão, por considerar que a recusa para o apoio judiciário se baseou na suficiência económica da avó e não na sua insuficiência. O tribunal considerou, ainda, que as alterações à lei do apoio judiciário, em 2004, ao imporem aquela fórmula matemática para aferir da suficiência ou insuficiência económica, constituem, só por si, uma "restrição intolerável" ao acesso ao direito e aos tribunais.
O MP recorreu para o Constitucional desta "desaplicação" da lei vigente, mas acabou por não ter provimento. Os juízes do Constitucional também se pronunciaram pela violação do número 20 da Lei Fundamental, segundo o qual "a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais (...), não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos". O cálculo do rendimento para efeitos do apoio judiciário, ao prever os rendimentos de todo o agregado familiar, mesmo que quem requer esse apoio não beneficie desse rendimento, não garante o acesso ao direito. Por outro lado, segundo ainda os juízes-conselheiros, é preciso não esquecer que pode "haver interesses conflituantes" entre os membros do agregado familiar quanto ao objecto do processo.
OA aplaude decisão
O Ministério da Justiça está a rever a lei do apoio judiciário e deverá colocá-la à discussão pública nas próximas semanas. O ministro já afirmou que alteraria os montantes exigidos para ser possível auferir de advogado oficioso (de dois para três salários mínimos), mas não se referiu ainda a uma eventual revisão do cálculo com base no rendimento de todo o agregado familiar. Fonte do Ministério disse, ao JN, que, "muito provavelmente", o acórdão do constitucional que "chumbou" essa fórmula de cálculo terá influência na revisão em curso.
Rogério Alves, bastonário da Ordem dos Advogados, afirma que essa é uma das propostas que tem feito no âmbito dessa alteração legislativa e revela alguma esperança de que venha a ser acolhida.
"Espero que o Tribunal Constitucional não tenha tempo de repetir três vezes essa decisão...", ironizou. É que, ao fim de três decisões de inconstitucionalidade, o Governo é mesmo obrigado a alterar a lei."
in Jornal de Notícias
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