"'Um dia quando estava feliz a brincar no mais íntimo das tuas entranhas senti algo de muito estranho, que não sabia como explicar: algo que me fez estremecer. Senti que me tiravam a vida!... Uma faca surpreendeu-me quando eu brincava feliz e quando só desejava nascer para te amar (...) Mãe, como foste capaz de me matar?...'
Este é apenas um excerto de uma carta que foi colocada nas mochilas de crianças de dois infantários de Setúbal, o Aquário e a Nuvem, da rede de instituições particulares de solidariedade social (IPSS), e por isso comparticipados pelo Estado, no caso dirigidos pelo Centro Paroquial de Nossa Senhora da Anunciada. A missiva de apelo ao "não" ao aborto, sem estar assinada, motivou a indignação de alguns pais, que protestaram junto das educadoras."
in Diário de Notícias
Considero-me uma pessoa moderada. Ao ler textos destes e ao ouvir certos argumentos do "não", fico ainda mais determinado em ir votar "sim". Não é que a minha convicção no sentido do voto fique mais reforçada. Apenas aumenta o desejo de combater, através do voto, o fanatismo, o radicalismo, a intolerância, o desrespeito e a mentira.
Como se pode ver no post anterior ("10 semanas"), às 10 semanas, que é o limite temporal proposto no referendo, o feto não passa de uma "noz" (a legenda à ecografia no site da SIC é manifestamente infeliz e fria).
Para além do sistema nervoso central, o cérebro também ainda não funciona. Aliás, acerca desta questão concreta, está a falar neste momento o físico e biológo Alexandre Quintanilha, Director do Instituto de Biologia Molecular, na "Grande Entrevista" da RTP1, que afirmou "com a morte cerebral, os órgãos podem ser doados" e "às 10 semanas muito raramente o feto tem o cérebro a funcionar", para além de que "antes das 10 semanas o feto não sente dor", indo no sentido da minha posição já aqui defendida.
Os dados ora apresentados por Alexandre Quintanilha são factos científicos inegáveis, irrefutáveis, que contrariam e desarmam as mentiras de alguns defensores do "não".
O objectivo da carta é claro: manipular, enganar as pessoas, sobretudo os indecisos, apelar às emoções, sensibilizar. Mas estou convicto de que as pessoas percebem que por trás está um radicalismo desesperante, que sente que a maioria não os acompanha.
Adenda: Alexandre Quintanilha tem proporcionado uma entrevista lúcida, moderada, objectiva. Tenho pena que muitos não o estejam a ouvir...
2 comentários:
Um pequeno reparo: a larga maioria dos defensores do "não" são moderados e têm feito uma campanha positiva e construtiva.
Porém, há quem faça dos seus dogmas cavalos de batalha, qurendo impor a sua ideologia à força (através do Código Penal, da punição das mulheres) aos outros. E é precisamente esta atitude que critico veementemente.
Marta Rebelo, no "Linha.de.conta":
"Por razões da vida, as últimas duas semanas tornaram-me sobretudo espectadora do debate em torno do referendo. Mas desde que ouvi o Professor César das Neves associar a interrupção voluntária da gravidez ao banal uso do telemóvel, preparei-me para tudo. E tudo rebater, para afastar o ruído que o Não quer impor, deixando muito ao fundo, quase inaudível, as razões de tudo isto.
Desde Florbela Espanca declamada versão out-door, convite ao aforro nacional e tradução do imposto pago numa despesa de finalidades proibidas, paternidades do referendo assumidas (do instituto jurídico, deste, assim, não), o «vote não» numa calculada caligrafia infantil, opacidade na invocação da singela palavra liberalização e diatribe quanto à verdadeira, à do referendo – despenalização – vi, ouvi e espero tudo.
Só não espero, e não posso esperar, mais 10 anos e que a indecisão leve a melhor, quando à chuva se marcha por vida em desrespeito de outras – veja-se que o Professor César das Neves entende ser de penalizar todas quantas, em caso de violação, interrompam a gravidez – quando os pastores pregam à margem da lei**, quando o Não se radicaliza e tenta impor ao Sim a pacatez sob pena de ser catalogado, novamente, como «radical». Déjà vu.
O Sim é moderado, mas muito convicto. E maior. Muito maior. Em apoiantes, expectativas, argumentos e solidez. Maior do que 1998. Eu, confesso, sou contra o ponto de interrogação. Continuo a achar extraordinário que se considere que as mulheres abortarão movidas por um passageiro estado de alma, inconstância do género, desconvidadas a regressar à racionalidade e, num ápice inconsequente, decidir, tomar decisão pesada. Peso que todos nós, todos os dias, pelo menos desde que a Democracia retornou, tornamos mais pesado, violentador, mais agressivo e intromissivo.
A lei tem mesmo de ser outra, e chegue o desfecho a esta interrogação que nos pesa, a todos. Dia 11.02, ouça-se para lá do ruído dos telemóveis...
** O artigo 206.º da Lei Orgânica do Referendo, estabelece: « O cidadão investido de poder público, o funcionário ou agente do Estado ou de outra pessoa colectiva pública e o ministro de qualquer culto que se sirvam abusivamente das funções ou do cargo para constranger ou induzir eleitores a votar ou a deixar de votar em determinado sentido são punidos com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias.»"
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