quarta-feira, 28 de março de 2007

"Contra a contingentação"

"Enquanto persiste uma estranha omissão geral no importantíssimo debate público sobre a reforma do mapa judiciário, acaba de ser repescado o tema, algo gasto, da contingentação processual.
Com esta, que parece ciclicamente ressuscitada como manobra de diversão, pretender-se-ia ver fixado por decreto o volume de processos que cada magistrado pode, num dado período de tempo, ter a seu cargo. Limitar-se-ia, assim, a atribuição de novos processos para além desse volume. Se bem entendo, uma vez preenchido o contingente de cada magistrado, cada novo processo que lhe devesse ser atribuído ficaria em lista de espera até abertura de vaga na respectiva quota de capacidade.
No panorama actual da justiça portuguesa, com as suas várias assimetrias (des)organizativas, a ideia é, entre outras considerações, virtualmente inútil e especialmente perversa. É inútil por já existir uma óbvia "contingentação natural", avulsa, que corresponde à capacidade individual de produção de cada magistrado, cuja maior ou menor utilização, enquanto métrica de avaliação do desempenho e distinção individual, é muito pouco ou nada valorizada nas inspecções e classificações de serviço dos juízes. (...)
Finalmente, a ideia é ainda especialmente perversa quer por se limitar a cuidar de efeitos pontuais e não das causas do mal, quer por reforçar a evidência trágica de que o sistema, ao contrário do que devia, não está voltado para servir as necessidades dos cidadãos, seus destinatários, mas está construído em função dos que nele actuam profissionalmente."

(João Carvalho das Neves, in Diário de Notícias)

Sem comentários: