Muito se tem falado da publicação das escutas do processo Apito Dourado. Mas pouco se tem argumentado, pelo menos do ponto de vista jurídico.
O nº 4 do artigo 88º do Código de Processo Penal diz que "Não é permitida, sob pena de desobediência simples, a publicação, por qualquer meio, de conversações ou comunicações interceptadas no âmbito de um processo, salvo se não estiverem sujeitas a segredo de justiça e os intervenientes expressamente consentirem na publicação."
A norma estabelece dois requisitos para os media poderem publicar as escutas: a) o processo não se encontrar em segredo de justiça; b) os intervenientes nas conversações escutadas autorizarem a sua publicação.
Ora, o processo Apito Dourado não se encontra mais sob segredo de justiça, mas, pelo menos que se saiba, não houve autorização para a sua publicação da parte dos escutados.
Assim, a publicação das conversas cai na previsão do art.º 88º, nº 4 do CPP, incorrendo o jornal que as publicou num crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348.º, nº 1 a), do Código Penal (por força do art.º 88º, nº 4, do CPP).
Até aqui não existem dúvidas. O problema é que esta norma do CPP pode embater no direito de liberdade de imprensa, protegido pela Constituição (arts.º 37º e 38º). Neste sentido - de que o impedimento de publicação atenta este direito - tem decidido o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, como aqui é, aliás, referido.
Ou seja, a questão que se coloca é a da eventual inconstitucionalidade da norma penal. Confesso que não é fácil ter posição sobre esta matéria, pois estamos perante um conflito de direitos. Por um lado, temos o direito (constitucional) à reserva da intimidade e à privacidade - protegido também pela norma penal em questão - e, por outro, temos o direito (também constitucional) do direito à liberdade de imprensa e de informação. Repito: confesso que não é fácil concluir qual destes dois direitos deve prevalecer.
De qualquer das formas e fugindo já ao aspecto jurídico do tema, o teor das escutas não poderia ser mais esclarecedor: o polvo existiu (será que ainda existe) e controlou, em absoluto, o futebol português. Depois disto, ninguém poderá ficar indiferente e negar a existência de batota, por muito que os adeptos fiquem contentes pelas vitórias obtidas à sua conta.
Sem comentários:
Enviar um comentário