Na semana passada
comentei aqui alguns aspectos de um caso mediático recente, que envolve uma menor que voltou para a Mãe (biológica) por decisão do Tribunal da Relação.
Não vou repetir o que já escrevi na semana passada, mas pretendo aprofundar alguns aspectos, que, a meu ver, relevam para uma melhor compreensão da realidade judicial em matéria de direito dos menores e das decisões, muitas delas polémicas.
Hoje estive o dia todo num debate judicial, num processo de promoção e de protecção, em que se promove que os menores sejam "dados" para adopção. Sem querer entrar no caso concreto (antes de tudo o mais, por dever de reserva), os pais há muito que desistiram de tentar cuidar dos dois menores, nunca proporcionaram o mínimo de condições e a qualidade de vida das crianças era péssima. Foram-lhes retiradas, depois de várias tentativas e oportunidades para que os pais corrigissem os erros, melhorando a sua prestação como pais.
Sem querer antecipar a decisão, este é um daqueles casos extremos, excepcionais, em que os pais não têm o mínimo de condições para cuidar de crianças. Atrevo-me, aliás, a dizer que não foram feitos para ser pais...
E, infelizmente, cada vez há mais processos em que os pais não merecem sê-lo e em que o Tribunal acaba por decidir retirar as crianças aos pais, por manifesta falta de qualidade de vida e de cumprimento das responsabilidades parentais. Impôe-se, desde já, afastar alguma mistificação que tem sido criada na comunicação social (e na blogosfera) de que os tribunais dão prevalência ao laço sanguíneo (familiar) do que ao 'laço emocional'. Tal não corresponde à verdade. Cada vez mais crianças são retiradas aos pais e dadas para adopção, por decisão dos tribunais de família e menores.
Ontem ouvi na rádio de que o Parlamento irá analisar a legislação aplicável a estes casos, estudando uma melhor definição do conceito "superior interesse do menor", que corresponde ao primeiro e principal critério de decisão. Ora eu não sei como é que se pode melhorar este conceito, já que me se afigura claro: a decisão terá que ser aquela que melhor contribui para o bem estar (mental, social, familiar, etc) do menor. Não dislumbro onde se poderá melhorar tal definição...
Desconfio que esta possível alteração legislativa será tomada devido aos mais recentes casos mediáticos, explorados à exaustão pelos media, quer em debates, quer em grandes reportagens e entrevistas, que me nada contribuiem para um debate sereno em torno destas questões. Medidas legislativas criadas "a quente" nunca são boas. E parece-me que esta poderá ser tomada na pior altura: quando se discute o chamado "caso Alexandra".
A actua legislação prevê uma extensa panóplia de medidas a aplicar, uma lista vasta de soluções para todos os gostos e para todas as situações. Ao contrário de alguns juristas, porventura com mais experiência do que eu nestas matérias, considero que a legislação em vigor, sobretudo a
Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, é bastante boa e perfeitamente adequada. Não me parece, neste momento, que uma alteração legislativa irá melhorar alguma coisa.
Uma outra questão que foi levantada prende-se com a formação dos magistrados nesta área do Direito. Aqui, dou total razão a quem tem defendido que os juizes e os procuradores dos tribunais de familia e menores devem ter formação específica. Tratando-se, de longe, da área mais sensível, há que preparar devidamente quem irá decidir do futuro destas crianças. Tal, diga-se, como os advogados que tratam deste tipo de processos. A especialização deve ser pedida a todos.
Mas há quem diga que isto não chega, não basta ter preparação específica, há que ter também determinadas qualidades humanas e alguma sensibilidade extra para tomar conta destes casos. Tendo a concordar. Tal como entendo que se deve ter uma especial sensiblidade para se ser juiz, admito que se deva ter uma dose extra de sensiblidade (e de bom senso, acrescento) para se ser juiz de um tribunal de família e menores*.
Este texto vem a propósito
deste post d'O Jumento, cuja leitura, na íntegra, recomendo. Sem ser jurista, aborda várias questões bastante pertinentes e reais.
* Em todas as profissões há bons e maus profissionais. Mas a ser verdade o que me contaram de que um certo juiz de um determinado trabalho de família e menores recusa sempre "dar" os menores para adopção porque se os pais adoptivos não foram pais é porque Deus assim o quis, que não fossem pais, então estaremos uma excepção à regra (os juizes de familia e menores têm a medida necessária de sensibilidade para a função) e um exemplo de um mau profissional. À atenção do Conselho Superior de Magistratura, portanto...