terça-feira, 30 de janeiro de 2007

Ressaca

Estou sonolento. É natural, pois já passava das 2 da manhã quando finalmente terminou o programa de ontem do "Prós e Contras", sobre o referendo do dia 11 de Fevereiro.
Foi um debate com "muita parra e pouca uva". Repetiram-se os mesmos argumentos vezes sem conta, tentando por vezes fazê-los passar por factos. Pouco esclarecedor, foi um debate mais próximo de uma guerra de convicções e de "morais" do que uma discussão do que irá estar em causa no dia 11.
Ouvi um ilustre jurista, ainda por cima antigo Ministro da Justiça, afirmar que "a lei já é cumprida", pois "as mulheres não são presas". Será que ouvi bem? Como já estava com sono é natural que não tenha ouvido bem... Depois do Prof. Jorge Miranda, agora foi a vez do Dr. Aguiar Branco misturar convicções morais com convicções jurídicas. Para além de tentar descalçar uma bota: como deputado, votou a favor da pergunta, mas agora vem criticá-la. Se é má e enganadora como afirma agora, então porque não votou contra na AR?
Estou de ressaca. De ressaca, porque ouvi coisas que me fizeram pensar bastante sobre elas. Afinal somos um país pioneiro em algumas matérias. Uma delas é nos direitos humanos. Ao contrário de países medievais, como a Espanha, o Reino Unido, a França, a Alemanha, a Itália, os países escandinavos, os EUA, o Canadá e dezenas de outros, somos um país que penaliza as mulheres que abortam. Mesmo que existam recomendações oficiais da União Europeia no sentido de que os Estados-Membros não devem penalizar as mulheres que abortam. Somos pioneiros! Fiquei feliz.
Estamos em 2007 e desde 1998 que discutimos este tema. Na Dinamarca discutiu-se em 1973. No resto da Europa, discutiu-se nos anos 80, tendo a larga maioria (com excepção da Malta, da Polónia e da Irlanda) despenalizado a interrupção voluntária da gravidez, permitindo-a em estabelecimentos hospitalares públicos, sem riscos para a saúde da mulher. Estaremos assim tão atrasados nos valores morais?
Como já alguém disse, tudo chega a Portugal atrasado, porque estivemos "parados" quase 50 anos. Em quase todos os países evoluídos e civilizados, a interrupção voluntária da gravidez não é punida e é moralmente aceite, dentro, obviamente, de certos limites. Cá somos muito mais restrictivos.
Há 500 anos atrás, Camões já descrevia a mentalidade do povo português. Está-nos nos genes, no sangue. Não há nada a fazer.
Já em 1998 as sondagens mostravam que os jovens e os que se identificavam com uma política mais liberal eram maioritariamente a favor da despenalização, enquanto os menos jovens, católicos praticantes e os que se identificavam com políticas mais conservadoras eram contra. As sondagens das últimas semanas vêm confirmar tal tendência. As posições destes últimos são, naturalmente, derivadas de profundas convicções religiosas. Da mesma Religião que é contra o preservativo, a pílula e a educação sexual nas escolas. Para a Igreja Católica o melhor método contraceptivo, por exemplo, até é a "abstinência sexual". Está tudo dito...
Estou de ressaca. Começou hoje a campanha e já estou farto. Venha o referendo.

5 comentários:

Anónimo disse...

Esperta fui eu, vi aquilo 5m e pensei: Não passa daqui.... e fui até à minha bela cama.
Alexa.

Ricardo Sardo disse...

Salvou-se a clareza dos comentários de Vital Moreira, que explicou muitíssimo bem as razões para votar "sim", e do treinador do Benfica, Fernando Santos, que afirmou ser já contra a actual lei, admitindo apenas o aborto em caso de risco de vida para a mulher, recusando, por exemplo, o aborto em caso de violação da mulher. Se a minha mulher fosse violada eu não quereria ter um filho do violador, tendo que o criar como sendo meu. Pelos vistos, com todo o respeito devido, Fernando Santos não se importaria...

Ricardo Sardo disse...

Também só vi depois de ter terminado a série "perto de casa" na 2:.
Fátima Campos Ferreira parecia uma professora a mandar calar sempre os alunos mal comportados. Só lhe faltou a régua na mão para lhes bater, pois fez cada cara de reprovação...

Ricardo Sardo disse...

"A dirigente parlamentar do PS, Ana Catarina Mendes, veio garantir que, se a despenalização do aborto vencer no referendo, a lei regulamentadora a aprovar pela AR deverá estabelecer um mecanismo de decisão informada e ponderadapor parte das mulheres que desejem abortar.
Só posso saudar esta decisão (que defendi no Programa "Prós e Contras"), esperando que ela venha a ser oficialmente confirmada pela direcção do PS e pelo Primeiro-Ministro. Assim se contraria de forma eficaz a acusação de "aborto a pedido" e de "aborto livre" que os adversários da despenalização têm brandido." (Vital Moreira, no Causa Nossa).

Efectivamente não percebo porque o PS não vem a público explicar, mesmo que apenas em termos gerais, como vai regulamentar a alteração à lei. O "sim" fica a perder se não o fizer, pois provará que o principal argumento do "não" (não está em causa a despenalização mas sim a liberalização) é falso e demagógico.

Ricardo Sardo disse...

"Para César das Neves – com quem debati este assunto na segunda-feira na RTP2 – mulher violada deveria ser obrigada a dar à luz. Enfim…é completamente inumano mas, pelo menos, coerente." (Joana Amaral Dias, no 5Dias)