segunda-feira, 30 de novembro de 2009

"Out of the closet"

O Dr. Paulo Pinto de Albuquerque "saíu do armário": a política é mais forte do que o Direito e malha, agora sem qualquer problema em assumi-lo, em Sócrates, desta vez por causa do Orçamento rectificativo, chamando mentiroso ao Governo.
Mas ontem voltou à carga, ainda por causa das escutas ao PM, insistindo em argumentos inválidos e/ou inaplicáveis ao caso concreto, numa entrevista em que repete até à exaustão os mesmos argumentos que dariam chumbo num exame da cadeira de Processo Penal na Faculdade. Aliás, deveria, até, aprender umas coisitas com a Dra. Fernanda Palma, que também ontem, no Correio da Manhã, desmonta, na mesma linha que aqui o fiz, o argumento de que as escutas deveriam ser divulgadas.
Não há volta a dar-lhe: o Dr. Pinto de Albuquerque entrou numa cruzada que será difícil de parar. Porque não é o jurista, ex-Juíz e Professor de Direito, a falar, mas sim o político, militante do PSD e candidato à Distrital de Lisboa do partido...

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Sindicalismo radical (2)

Acabo de descobrir que a ASJP pediu a demissão do Ministro Vieira da Silva, por este ter considerado que as escutas ao PM eram "espionagem política".
Antes de mais, o disclaimer: por muita razão que eventualmente possa ter, o Ministro da Economia esteve manifestamente mal. Tais palavras apenas servem para atiçar o fogo, em vez de apaziaguar os ânimos.
Todavia, esta posição da ASJP, exclusivamente política, é inaceitável num Estado de Direito democrático, onde vigora a separação de poderes. Se pudesse, tenho a certeza que Montesquieu saíria da campa para largar uns berros ao Dr. António Martins, que anda a imiscuir-se em demasia no poder político. Só para percebermos o absurdo desta posição, imaginemos um político (um Ministro, por exemplo) a pedir a demissão de um Juíz, por causa de, por exemplo, palavras proferidas numa Sentença. Para além de não ter qualquer sentido, todos sabemos qual seria a reacção da ASJP, não sabemos?...

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

O que o move? A política

Esta semana perguntava o que move o Dr. Paulo Pinto de Albuquerque. Utilizando argumentos jurídicos inválidos e absurdos, que dariam para chumbar na cadeira de Processo Penal se tivessem sido utilizadas na Faculdade, e multiplicando-se em entrevistas, debates televisivos e colunas de opinião nos media, foi malhando no Primeiro-Ministro com enorme e evidente exaltação.
Através do Pedro, acabei de saber o que o move contra o PM: vai concorrer a vice-presidente da distrital de Lisboa do... PSD!
Como escreveu o Pedro, "fiquei agora sem saber ao certo quem se pronunciou naquele palco (Prós & Contras) - se o ilustre professor universitário, insusceptível de pressões políticas, ou o aguerrido social-democrata que tudo fará para travar o passo a José Sócrates". Nem mais!...
O Dr. Pinto de Albuquerque continuará a ser um brilhante penalista, mas a sua credibilidade foi ao ar. Pelo menos enquanto jurista, professor de Direito e ex-juíz.

Adenda: entretanto, li no CC que a lista pela qual concorre, integra António Preto e Helena Lopes da Costa. Sem comentários.
Correcção: a lista não integra Preto e Lopes da Costa, mas apenas conta com o seu apoio.

Sindicalismo radical

Há muito que não ouvia Miguel Sousa Tavares falar de forma tão lúcida e objectiva. Comentava o caso das escutas ao PM e disse que a posição hoje conhecida da Associação Sindical dos Juízes (de que devem ser tornados públicos os despachos do Presidente do STJ que declaram nulas as escutas) não é mais do que uma tentativa de contornar a questão da publicação ou não das conversas, escutadas ilegalmente. Como disse - e bem - MST, esta posição não é mais do que um subterfúgio para atender a pedidos de várias famílias, que insistem no conhecimento público do teor das conversas. De uma força política, tal posição não estranharia ninguém, mas de uma associação (se bem que sindical) de Juízes esperava-se uma posição bem mais sensata e, acima de tudo, respeitadora da Lei. Ouvir Juízes defenderem a violação da Lei é algo de impensável numa Democracia e aterrador num Estado de Direito.
António Martins já deu, por diversas vezes, mostra de um sindicalismo radical, o que não é compatível com a magistratura e as funções que os Juízes exercem, sendo o recente conflito com Noronha de Nascimento um exemplo paradigmático. Bem sei que, como profissional forense, deveria evitar o seguinte comentário, mas não posso deixar de o tecer: tenho medo destes Juízes que confundem as suas funções constitucionais com as suas preferências e interesses políticos. Muito medo mesmo.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

As fontes que não são fidedignas

Depois do Correio da Manhã que publicou uma notícia falsa, agora foi o Diário de Notícias.
De facto, os media portugueses deveria reflectir profundamente sobre a forma de fazer jornalismo e como confiam cegamente nas "fontes"...

Prós & Contras

Parte 1
Parte 2

A degradação... do Estado de Direito

O Daniel Oliveira defendeu, no Expresso, três alterações ao combate à corrupção, a saber: (1) levantamento do sigilo bancário; (2) acabar com a distinção entre corupção para acto lícito e corrupção para acto ilícito; e (3) crminalização do enriquecimento ilícito.

Quanto à primeira ideia, não tenho nada a obstar. Concordo inteiramente com o alargamento, ou mesmo o levantamento total, ao sigilo bancário, desde que com respeito por determinadas regras, nomeadamente processuais (por exemplo, autorizadas por um juíz, depois de requerimento devidamente fundamentado) e necessárias para a investigação.

Quanto à segunda proposta, recordo que o Código Penal distingue as duas realidades, porque são isso mesmo, duas realidades distintas. Uma coisa é pagarmos a alguém para cometer um ilícito ou praticar um acto ilegal. Veja-se, por exemplo, o caso em que A paga a B para que ganhe um concurso público. Se B, por exemplo, ignorar certos requisitos ou alterar procedimentos ou formalismos, o acto é ilícito, pois está a violar o regulamento do concurso público. Se se limitar a escolher B, em detrimento dos restantes concorrentes, decisão que lhe cabe em exclusivo, então estaremos perante um acto lícito. Obviamente que o um acto ilícito é mais grave que um acto lícito, pelo que faz todo o sentido distrinçar os dois tipos legais em termos de punição.

Já quanto à criação do crime de enriquecimento ilícito, já aqui me pronunciei sobre o assunto. Não faz qualquer sentido criminalizar um acto que, por si, já é criminalizado. Se o dinheiro tiver proveniência ilegal (tráfico de droga, branqueamento de capitais, evasão fiscal), já se pune tal actuação. Se tiver proveniência legal, então não existe qualquer crime.
Mas o Daniel Oliveira acrescenta um elemento impotantíssimo, tal como tinha já feito Joana Amaral Dias, também bloquista. Quer JAD, quer o Daniel, são democratas e defendem o estado de direito, pelo que não compreendo como são capazes de, assumidamente, defenderem a inversão do ónus da prova, violando, dessa forma, a presunção de inocência. Como é que um democrata pode defender a presunção de culpabilidade? Não compreendo.
O Daniel justifica com a existência do ónus da prova do contribuinte nos processos tributários. Convém esclarecer, que essa inversão do ónus da prova existe apenas na fase de contencioso, na fase administrativa e não na fase judicial, que decorre num Tribunal Tributário. Aí, mantém-se o ónus da prova da Acusação, do Fisco. Em processo-crime, o ónus da prova imcube o Estado (Acusação, MP) de provar o que alega. Querer alterar isto é defender a Inquisição, em que os acusados terão de provar a sua inocência, sob pena de ser condenado.
Volto a perguntar: esta gente tem consciência do que diz e defende?

Prós & Contras

Entretanto, o tema das escutas tem sido debatido na RTP. Pinto de Albuquerque, que está manifestamente nervoso e irritado, manifestou novamente a sua posição de que as escutas deveriam ser divulgadas, "por interesse social e político". Ora, como já expliquei, tendo estas sido obtidas ilegalmente, estaríamos a perverter a legalidade desta matéria.
Mas o mais interessante, foi quando o antigo Juíz afirmou que confia nos colegas juízes e procuradores, dando claramente a entender que não fumo sem fogo e que se o procurador de Aveiro achava que o PM tinha cometido um crime de atentado ao Estado de Direito, então é porque quase de certeza que o cometeu. Ora, mais uma vez, faz-me confusão ver um Magistrado atirar a presunção de inocência às ortigas e emitirem juízos de valor baseados em "fumo" e não em provas. Sei (nomeadamente por experiência própria) que, enquanto Juíz, o Dr. Pinto de Albuquerque sempre atendeu à presunção de inocência, pelo que não compreendo como é que por duas vezes (já no caso da Inventona de Belém, tinha "condenado" o actual PM com base em mera especulação jornalística) e sobre a mesma pessoa (Sócrates) seja capaz de fazer o contrário do que fazia como Juíz...
Já agora, caro Dr. Pinto de Albuquerque, não foram dois magistrados, mas apenas um (o do MP) e achar que existiam indícios. O Dr. Germano Marques da Silva já lhe explicou isso, mas parece que continua a insistir num ponto que não tem correspondência na realidade. O que o move?

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Destruir depois de ler

Não, não me refiro ao filme mas sim à polémica em torno das escutas ao PM. Agora parece que se levanta a questão da falta de legitimidade do Presidente do STJ em mandar destrui-las...
Ouvi há pouco nas notícias o Dr. Paulo Pinto de Albuquerque voltar à carga com a legalidade das escutas a Sócrates. Como parece que ninguém leu a sua opinião no Diário de Notícias do passado dia 20, lá apareceu para as câmaras de televisão.
aqui tinha comentado a sua posição em relação a esta matéria. Mas esmiuçemos, então, os seus novos argumentos:

1) "A competência do presidente do STJ para autorizar e controlar a legalidade de escutas em que intervenha o primeiro-ministro diz apenas respeito a crimes cometidos por ele fora do exercício das funções"
Primeiro, não está em causa um crime cometido pelo PM, mas por Armando Vara. As escutas foram autorizadas no Inquérito em que Vara é suspeito. O PM foi "escutado" por acaso, fortuitamente.
Mais, o artigo 11º, nº2, não distingue crimes praticados no ou fora do exercício de funções. Não tem, portanto, qualquer cabimento estabelecer esta destrinça que não tem correspondência na norma legal.

2) "No tocante à investigação criminal relativa a crimes cometidos pelo primeiro-ministro no exercício de funções, a competência para autorizar e controlar a legalidade de escutas de conversas em que ele intervenha pertence ao juiz da secção criminal do STJ, nos termos do artigo 11.º, n.º 7, do CPP."
Sim, mas não é o caso, pelo que não se aplica o nº7. Esta norma é para os processos intentados contra as 3 figuras mais altas do Estado. No caso em apreço, a escuta ao PM é fortuita, não existe qualquer processo contra o PM. Aplica-se, pois, o nº2, que estabelece a competência do Presidente do STJ.

3) "As escutas só podem ser destruídas no final da investigação, depois de ter sido dada oportunidade aos escutados de se pronunciarem sobre as mesmas, como manda a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem."
Esta regra aplica-se - e bem - quando os escutados estão a ser investigados e as escutas foram autorizadas e realizadas contra aquela pessoa, que está a ser acusada, dando-lhe a possibilidade de tomar conhecimento de todas as escutas, nomeadamente para preparar a sua defesa. Não tem, mais uma vez, cabimento este argumento no caso em análise.

4) "O Ministério Público não só pode como deve tornar públicas as escutas anuladas em que intervenha o primeiro-ministro que sustentaram a indicação dos magistrados de Aveiro. O fundamento legal da divulgação é o disposto no artigo 86.º, n.º 13, alínea b) do CPP. Tendo a função constitucional de dirigir o inquérito, o MP tem também o dever legal de prestar esclarecimentos públicos quando são, como no caso em apreço, absolutamente necessários para restabelecer a verdade e garantir a tranquilidade pública."
Uma coisa é prestar esclarecimentos, outra bem diferente é publicar meios probatórios, presume-se que na íntegra. Aliás, o Conselho Superior de Magistratura irá amanhã prestar esclarecimentos, pelo que amanhã teremos mais informações sobre o caso em concreto. Publicar escutas que são nulas e não têm qualquer força jurídica nestas circunstâncias é precisamente fazer o que muitos pretendem, trazer para a praça pública matéria privada.

Eu sei que o Dr. Pinto de Albuquerque sabe que os seus argumentos não se aplicam a este caso, mas estranho a sua insistência. Efetivamente, não compreendo...

O problema do lixo

A situação ontem conhecida e divulgada pela Agência Lusa não é nova e é, até, conhecida e tolerada pelos agentes judiciais. Já no processo Casa Pia, tinham sido "apanhados" documentos que pertenciam ao processo nos caixotes e lixo perto das antigas instalações do Tribunal de Instrução Criminal da Rua Gomes Freire. Recordo-me, por exemplo, de ver uma reportagem onde um jornalista da TVI se encontrava à porta do tribunal a mexer nos papéis, mostrando que estes se encontravam à mercê de qualquer pessoa. Agora é no Palácio da Justiça, onde se encontram as Varas Cíveis...
Estando em causa documentos confidenciais, com informação que não pode, mesmo em termos legais, ser divulgada (sobretudo dados relativos a pessoas), deve ter-se um extremo cuidado com o destino que se dá a tais documentos. Se são para o lixo, então que se deite no lixo, garantindo que não poderão ser acedidos por mais ninguém. O que acontece é que, por descuido ou desatenção, quem tem a incumbência de se livrar deste "lixo" não o faz com as devidas precauções. E, claro, depois, quando são "apanhados", estala a polémica.
Como escrevi, este problema é habitual e repete-se em quase todos os tribunais deste país. Quem anda nisto sabe-o. Mas ninguém, pelo menos até agora, teve a vontade de resolver de vez este problema, criando os mecanismos necessários para garantir que o "lixo" tenha realmente o destino do lixo, em vez de se limitar a atirar com os papéis para o caixote.

Leituras

"O valor das escutas", por Fernanda Palma.

sábado, 21 de novembro de 2009

Leituras

"(...) Não me é mais possível silenciar o desgosto com que assisto à total descredibilização do sistema de justiça - que vem de longe - pelo veneno da política que nele se instalou e que está a conduzir à sua italianização, com resultados devastadores para o nosso futuro.
A verdade é que a polícia, o Ministério Público e o juiz de Instrução que participaram na intercepção, gravação e transcrição das escutas em que interveio o primeiro-ministro, agiram e continuam a agir na violação reiterada da Lei e contra os princípios do Estado de Direito. Deixemo-nos de rodriguinhos jurídicos com que alguns juristas disfarçam a sua militância política, citando a Lei: "Compete ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça... autorizar a intercepção, a gravação e a transcrição de conversações ou comunicações em que intervenham o Presidente da República, o presidente da Assembleia da República ou o primeiro-ministro e determinar a respectiva destruição..." (artigo 11º do Código de Processo Penal)
Qualquer cidadão dotado de literacia mediana não terá dúvidas quanto ao sentido da lei, tão clara é a sua expressão: não é apenas a colocação em escuta dos telefones dos titulares dos órgãos de soberania visados na lei que exige autorização do presidente do STJ. Essa autorização é exigida quanto à "intercepção, gravação e transcrição" de conversas em que "intervenham" o Presidente da República, o presidente da Assembleia da República e o primeiro-ministro. E não se pense que só estes titulares de órgãos de soberania estão sujeitos a regras especiais. Estão-no também os próprios magistrados.
Resulta, portanto, da Lei, que logo que uma conversa em que intervenha o primeiro-ministro seja interceptada, não pode a mesma ser mantida, sendo proibida a sua transcrição, sem autorização do presidente do Supremo. Sendo também este magistrado o único competente para apreciar em definitivo se a conversa contém prova de crime imputável ao primeiro-ministro. Ora, as autoridades que dirigem o Inquérito, usurpando a competência do presidente do Supremo, permitiram-se manter em seu poder escutas em que interveio o primeiro-ministro, durante vários meses, continuando a gravá-las, sem o consentimento da autoridade competente. A lei é também clara ao considerar como crime a intercepção, gravação ou mera tomada de conhecimento do conteúdo de conversas telefónicas sem consentimento. (artº 194º Nº 2 do Código Penal).
Tarde e a más horas, as escutas chegaram ao PGR e ao presidente do Supremo; ambos consideraram que não existem indícios de crime e o segundo considerou-as nulas e ordenou a sua destruição. Ao que diz a comunicação social, a ordem do presidente do Supremo continua por cumprir. Não é isto a subversão do Estado de Direito? Polícias, agentes do M.P. e um juiz que actuam contra a lei e não cumprem uma decisão do presidente do Supremo?
É claro que a prática destas ilegalidades conduziu a outro crime que diariamente é praticado na mais absoluta impunidade: o crime de violação do segredo de justiça. Os jornalistas cúmplices neste tipo de criminalidade já divulgaram alegados tópicos das conversas criminosamente guardadas e não tardará que apareçam as suas transcrições, obviamente por motivos de ordem política. O sistema de justiça afunda-se neste lamaçal arrastando na enxurrada a já pouca credibilidade do regime.
Isto foi possível em resultado da opacidade do sistema de justiça. Todos nós conhecemos os actores políticos, os seus percursos, as ideias que professam, os seus comportamentos políticos; e, muito importante, exercem o poder com base no voto popular, que é a regra da democracia. Que sabemos nós dos detentores do poder judiciário? Por onde andaram, que ideias políticas professam? E a pergunta fatal: qual a raiz do seu poder soberano? Com que legitimidade o exercem? Esta é a questão crucial com que, mais dia, menos dia, teremos de confrontar-nos."

(Daniel Proença de Carvalho)

Dualidade de critérios

Parece que o MP de Aveiro vai abrir (ou abriu) Inquérito para averiguar de onde partiu a informação transmitida a um dos arguidos do Face Oculta. Para além do Acórdão que foi conhecido ainda antes de o Desembargador Relator o ter assinado, agora foi também informação privilegiada que foi passada por alguém, em Aveiro, com acesso ao Processo.
Até aqui tudo bem, é obrigação do MP investigar a eventual práticade um crime de violação de segredo de justiça e, pelos vistos, isso aconteceu neste caso. Mas... e os casos de violação de segredo de justiça em que foi passada informação prejudicial aos media? Esses não se investigam? Não há alarido por parte do MP? Se a fuga de informação for prejudicial ao Arguido, tudo bem, mas se for benéfica já temos problemas? É isso?

A verdade é que um crime de violação de segredo de justiça é sempre um crime, seja favorável ou benéfico para o Arguido e, como tal, deve ser sempre investigado. Ao pouco ou nada fazer quando as fugas são prejudiciais ao Arguido e mostrar indignação quando são para ajudá-lo, o MP está a passar a mensagem errada: que as fugas só não são permitidas e/ou toleradas se forem para ajudar os suspeitos/arguidos.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Atentado contra o Estado de Direito

O Víctor Rosa de Freitas chamou-me - e bem - à atenção para o crime de atentado contra o Estado de Direito, previsto na Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, no seu artigo 9.º.
O que foi veiculado pelos media era que a conversa estaria relacionada com a TVI e com a eventual compra da Media Capital pela PT. Ora, salvo melhor opinião, não vejo, mesmo admitindo a veracidade da "acusação" ao PM, como tal poderá encaixar na previsão do art.º 9.º.
Se eventualmente estivesse em causa uma tentiva de influência na TVI, para afastar uma certa pseudo-jornalista que odeia o PM, estaríamos perante um eventual tráfico de influências, pevisto no Código Penal (art.º 335º) e não perante o crime de atentado ao Estado de Direito. Aliás, se estivesse em causa limitar a liberdade de imprensa, calando a tal pseudo-jornalista, continuaríamos a não estar perante este tipo de crime, que fala em "tentar destruir, alterar ou subverter o Estado de Direito constitucionalmente estabelecido, nomeadamente os direitos, liberdades e garantias estabelecidos na Constituição da República Portuguesa (...)"
Este tipo legal foi criado para a alteração grave do regime democrático, não para eventuais influências pontuais, de casos concretos. Poderíamos estar perante este tipo de crime se, por exemplo, estivessem em causa vários ou todos os órgãos de comunicação social, se tivessem havido ordens para "calar" todas as notícias desfavoráveis, o que manifestamente não aconteceu.
Volto, pois, à questão inicial: "atentado contra o Estado de Direito" é um nome bem mais pomposo e grave do que "tráfico de influências". Depois de tantas tentativas falhadas de queimar o actual PM, há que subir o grau de exigência e o nível de "suspeição". Se o homem não cai com balas, há que tentar mísseis...

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Posições jurídicas vs. posições políticas

Ontem li e ouvi Manuel da Costa Andrade e Paulo Pinto de Albuquerque manifestarem-se a favor da legalidade das escutas ao PM no processo Face Oculta.
Sem querer, porque não o merecem, faltar-lhes ao respeito, convém comparar estas declarações com outras, prestadas pelos mesmos intervenientes, no passado.

Costa Andrade, para além de um brilhante penalista (um dos maiores) é, creio, militante do PSD. Tal facto, por si só, pode não relevar para o efeito, mas se a este dado juntarmos a sua posição recente sobre as escutas em processo crime, constatamos que há aqui algo que não bate certo. Então, primeiro mostra-se contra as escutas e a forma como são feitas e agora diz que são legítimas e aceitáveis? Não haverá aqui uma contradição algures?
Não irei seguir a linha de comentário do CC, mas sinceramente não compreendo esta mudança de posição, sem qualquer justificação e esclarecimento...

Pinto de Albuquerque, outro brilhante penalista e antigo Juíz com quem me cruzei na Boa Hora, também veio ontem defender a legalidade das escutas, utilizando, para o efeito, um argumento que, como já aqui expliquei, não pega. Dizer que são válidas porque foram realizadas por um JIC é ignorar por completo que um dos intervenientes foi o PM e desvirtuar o art.º 11º do CPP, que é claro nesta matéria.
A isto acresce que, em Agosto, o Dr. Pinto de Albuquerque escreveu este artigo no Diário de Notícias, o qual assume como provadas meras suspeitas, suspeitas essas que, por acaso, foram desmentidas pela famosa capa do DN que provava a inventona de Belém. Como aqui expliquei, fica mal a um penalista, ainda por cima brilhante, transformar a presunção de inocência em presunção de culpa, sobretudo quando o visado é o PM, o mesmo PM que agora é visado nestas escutas...

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Todos os caminhos vão dar a Lisboa

Carlos Abreu Amorim, na RTPN, aponta para uma enorme "coincidência" (que Marcelo Rebelo de Sousa também tinha indicado no Domingo): as fugas de informação nos processos mediáticos acontecem sempre que os autos chegam à Procuradoria-Geral da República (em Lisboa). Por exemplo, o processo Freeport esteve no MP do Montijo entre 2005 (início) até há um ano atrás, quando foi avocado pelo DCIAP. No último ano é que tivemos as fugas de informação. Outro exemplo: no processo Face Oculta, as escutas ao PM foram realizadas há meses, mas só agora que as certidões chegaram à PGR é que lemos nos jornais que o PM tinha sido escutado.
Se parece não ser difícil percebermos onde está o chibo, mais complicado será descobrir quem será, sobretudo atendendo que o MP não quer descobrir quem é...

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

A quem interessa a violação do segredo de justiça?

Para além das escutas, António Vitorino disse na RTP que é fácil peceber-se que as violações ao segredo de justiça no processo Face Oculta vêm da Acusação (Ministério Público, entenda-se...)
Com efeito, as fugas de informação favorecem, clara e objectivamente, a tese da Acusação, para além de serem passadas aos media quando a Defesa ainda não teve acesso ao processo.

Uma pergunta ao PGR: já abriu processo-crime para descobrir, acusar e levar a julgamento os autores destes crimes? Ou será que tem medo em investigar e acusar colegas?

Vigilância ilegal?

António Vitorino, na RTP, disse hoje que, para além de ilegais, as escutas ao Primeiro-Ministro foram efectuadas em estranhas circunstâncias (a expressão é minha, não dele): após a primeira conversa entre Vara e Sócrates, os investigadores deveriam, logo aí, ter chamado o Presidente do STJ para este se pronunciar sobre a escuta, de acordo com o art.º 11º do Código de Processo Penal. Ao continuarem a escutar o PM, sabendo que deveriam ter chamado a autoridade competente para o efeito, incorreram numa possível situação de vigilância ilegal. Aliás, precisamente por este motivo é que se coloca a hipótese de ser aberto Inquérito aos Procuradores responsáveis pelo processo Face Oculta...

"O sistema inglês é mais complicado"

Quem disse isto foi Cândida Almeida, procuradora do DIAP responsável pelo processo Freeport, em declarações após se saber que o processo foi arquivado pelas autoridades inglesas, por inexistência de provas da prática de crimes.
Mas será o sistema inglês mais complicado que o nosso?

O processo Freeport (Proc. nº 77/05.2JASTB) nasceu em Fevereiro de 2005, após "averiguação preventiva" instaurada em Outubro de 2004 pela PJ de Setúbal e nas circunstãncias que todos hoje conhecemos. Há pouco mais de um ano atrás, depois de marinar no MP do Montijo, foi avocado pelo DIAP de Lisboa e pela Dra. Cândida Almeida. Foram constituídos vários arguidos, mas até hoje ainda não foi proferido despacho de Acusação, apesar de (segundo a PGR) estar para breve.
A verdade é que, tendo em conta o que foi noticiado nos media, deverá ser arquivado. Aliás, os eventuais crimes até já estarão precritos, como é o caso do de corrupção para acto lícito. Todo este processo - e já lá vão quase 5 anos - tem tido um trajecto sinuoso e irregular, com picos de mediatismo e prejecão pública durantes os períodos de eleições (início de 2005 e no último ano, até às eleições de Setembro) e longos períodos de acalmia sem explicação para o efeito (como se sabe, quanto mais perto do fim e mais conhecida é a estória pelo MP, mais rápidas são as diligências e a elaboração da Acusação). O MP chegou a queixar-se de falta de meios, quando tinha todos os necessários ao seu dispor, como se veio a perceber posteriormente, nomeadamente com outros processos semelhantes.
A verdade é que, tal como já muita gente percebeu, o processo nasceu torto, numa reunião em casa de um jornalista, entre agentes da PJ, jornalistas, e políticos ligados aos partidos que viriam a perder as eleições de Fevereiro de 2005 para... Sócrates, o visado na tal carta anónima, que de anónima não tinha nada. E nasceu para tramar um adversário político, depois de várias tentativas falhadas para o queimar (as insinuações de que Sócrates é gay, por exemplo).

A verdade, verdadinha, é que o sistema inglês não é mais complicado que o nosso, bem pelo contrário. Esta afirmação não passa de desculpas de mau pagador. No Reino Unido, os prazos para a Acusação são cumpridos, a investigação é efectuada e, não se obtendo provas, é imediamente arquivada, ao contrário de cá, onde os processos levam anos apenas em fase de Inquérito e investigação e os visados são queimados na praça pública e nos media durantes esses anos todos, graças a fugas de informação escolhidas a dedo e estratégicas e que ficam impunes por inacção do MP.
A verdade é que, lá, os processo são bem mais céleres e eficazes, enquanto que, cá, levam anos e depois não dão em nada, excepto lixarem a vida a cidadãos que não são acusados ou são depois absolvidos em julgamento, por falta de provas e por causa do mau trabalho na investigação, investigação essa que, em relação a políticos, é conduzida por motivos mediáticos e não judiciais.
A verdade é que a Dra. Cândida Almeida voltou a perder uma oportunidade de estar calada. É sempre assim, cada vez que aparece um microfone à frente, sai asneirada. E ainda por cima não aprende com os erros...

Questão por esclarecer

A questão do Acórdão da Relação de Coimbra, que terá sido conhecido por uma das partes ainda antes de ser assinado pelo Juíz Desembargador Relator, terá obrigatoriamente de ser muito bem esclarecida, pois não basta levantar uma hipótese, hipótese essa que, por acaso, até terá sido desmentida por um funcionário da Secção.
Os portugueses não confiam na Justiça e são casos como este que podem minar, ainda mais, essa já frágil confiança...

O verdadeiro atentado ao Estado de Direito

Parece que as suspeitas que incidem sobre Sócrates, nas escutas no processo "Face Oculta", são de crime de atentado ao Estado de Direito. Mas... o que é isto de "atentado ao Estado de Direito"?
A Secção II do Capítulo I do Título V do Código Penal (art.ºs 325º a 335º) tipifica os "crimes contra a realização do Estado de Direito". Mas será, tendo em conta o eventual "tema" das conversas entre Vara e Sócrates especulado pelos media, um eventual crime de tráfico de influência, previsto e punido pelo art.º 335º, que estará em causa. Não deixa de ser curioso, porém, que nos media se tenha falado em "crime contra o Estado de Direito", nome bem mais pomposo e que insinua um ilícito criminal bem mais grave que o tráfico de influência...

A PGR não considerou existirem indícios para, sequer, se averiguar este eventual ilícito. Não deixa, portanto, de ser estranha a dúvida do JIC de Aveiro que considerou existirem suspeitas sobre Sócrates e a expressão utilizada para descrever tal eventual comportamento ilícito...
Não deixa, também, de ser curioso o timing da publicação das escutas. Quer dizer, das escutas no sentido de terem existido conversas entre Vara e Sócrates, pois os temas de tais conversas não se sabe, o que é bastante conveniente para queimar, em lume brando, o PM, o que se repete mais uma vez, depois do Freeport... A verdade, inegável, é que quem se chibou da existência das conversas, não se chibou do seu conteúdo. Porque será? A resposta parece óbvia: o objectivo não é queimar com as conversas (se estas fossem mesmo graves, a esta hora já as teríamos lido nos media) mas com a mera suspeição e especulação sobre o seu teor. É, pois, um déjà vu do processo Freeport e do Belémgate (ou inventona de Belém, que insinuava que o PM escutava o Presidente)...

Sobre mais esta insinuação, com o objectivo claro de tramar um adversário político (a "bomba atómica" - notícia de que o PM escutava o Presidente - rebentou nas próprias mãos dos conspiradores), escreveram Pedro Marques Lopes, João Marcelino, Pedro Adão e Silva ou O Jumento. E todos no mesmo sentido: quem promove, usando, para tal, os media, inquisições nos jornais e na praça pública de políticos (neste caso, é quase sempre o mesmo - coincidência, claro!!) é que atentam ao Estado de Direito, é que colocam em causa e fragilizam a nossa Democracia, é que criam instabilidade nos órgãos de soberania, é que criam um ambiente de desconfiança geral sobre as principais figuras do país, é que destroiem, lentamente, as fundações de Portugal e os pilares do Estado de Direito democrático consagrado na nossa Constituição!

Movidos pela pulhice e pelo ódio e sede de vingança (pelos ataques às regalias, muitas delas injustas e injustificadas, de algumas corporações), esta gente canalha e criminosa é capaz de tudo para levar avante os seus desejos e a sua vontade pessoal, em detrimento do bem colectivo e da Lei que vigora no nosso sistema jurídico. São capazes de abrir as portas a um regime anarquista e à subversão colectiva contra os órgãos de soberania, destruindo o que resta de Portugal. Esta gente já fez com que os portugueses não confiassem ou acreditassem na Justiça, agora querem também que não confiemos em ninguém, no PM ou no Presidente, no Parlamento ou nas polícias, nos políticos ou nos governantes. Esta gente é o cancro da nossa sociedade e devemos, todos nós que queremos um Portugal democrático e justo, combater e correr com estes criminosos daqui para fora, para bem longe, para a Coreio da Norte ou para Cuba, onde encontrarão um regime bem ao seu estilo.

Como escreveu Pedro Adão e Silva, "primeiro aceitamos que a investigação criminal vá assentando cada vez mais em escutas, e aparentemente quase só em escutas; depois toleramos que o seu conteúdo seja plantado na comunicação social; por fim discutimos o teor do que não deveria existir, sem que questionemos o modo com estamos colectivamente a deixar que se minem os alicerces do Estado de direito. Como se não bastasse, admitimos com normalidade que um titular de um órgão de soberania seja, em última análise, alvo de espionagem política durante uns meses. Para culminar, parece ter chegado o dia em que os deputados se juntarão para aprovar uma lei que obrigará de facto o suspeito de um crime a provar a sua inocência, em lugar de obrigar a acusação a provar a sua culpa. Pelo caminho deitámos fora princípios sacrossantos para uma vida em comum numa sociedade decente: o direito à privacidade e a importância das garantias consagradas no processo penal, designadamente a presunção de inocência. Agora toca a quem ocupa transitoriamente o cargo de primeiro-ministro, mas, se não somos intransigentes neste caso, haverá um dia em que poderá passar-se connosco. E nesse dia não teremos a lei do nosso lado, e já não haverá Estado de direito para nos defender. A tudo isto se chama recuo civilizacional. Sabemos, na verdade, como começa, mas temo que saibamos também como vai acabar. Até certa fase podemos ir resistindo, com mais ou menos energia, mas chegará um momento em que teremos de viver recatadamente com a derrota."

Leituras

Estes últimos dias trouxeram-nos várias textos que merecem destaque:

1. "Tempos interessantes", por Valupi

"João Palma, presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, veio lembrar que a decisão de destruir algumas das escutas, tomada pelo Supremo Tribunal, pode ser alvo de recurso e chegar ao Tribunal Constitucional. No abstracto, é uma afirmação técnica, neutra. No contexto, foi uma forma de aumentar a suspeição acerca das escutas. (...)
Se juntarmos a estas as declarações de Rui Cardoso, secretário-geral do mesmo sindicato, que se pronunciou tecnicamente a favor da legalidade das escutas e pela sua preservação para eventual aproveitamento noutros processos existentes ou a existir, o quadro é de escancarada perseguição sem intenção de fazer prisioneiros. O SMMP quer abater Sócrates e fará qualquer coisa nesse sentido. Até porque acima deles não vêem ninguém, imaginam-se os senhores da Justiça. Inatacáveis.
Mas Sócrates não tem apenas de cair, também terá de ser humilhado. Para que os políticos aprendam a lição. E não voltem sequer a pensar em lhes reduzir as férias ou tocar na carteira. (...)"

2. "(...) Bem diz o presidente do Supremo que é preciso mudar o modo como se faz a investigação em Portugal, pensando talvez em retirar alguma da autonomia ao Ministério Público. Mas o país precisa também que se mude muita coisa no modo como se julga em Portugal e no modo como as polícias de investigação queimam na praça pública quem não conseguem levar a tribunal por falta de provas.
Desta vez, sabemos que as polícias tiveram todos os meios possíveis e imaginários para investigar esta teia, não deveria ser perdoável que o processo ruísse por azelhice jurídica de quem tem que fazer tudo dentro da lei para condenar nos tribunais quem for culpado. Só que, às vezes, até parece que os investigadores só querem construir casos nos jornais. É mais fácil e pode ser feito a coberto do anonimato que se vende como investigação jornalística. (...)"

(Paulo Baldaia)

3. "(...) Assim vai a justiça nacional: desacreditada pelo que faz, pelo que não faz e também pelo diz e pelo que não diz. Triste espectáculo este.
Mas, para além de todas as dúvidas jurídicas que estão por responder - muitas derivadas da má qualidade das leis -, a justiça é uma vez mais suspeita de ter timings e aliados, de não cumprir a separação de poderes. E o que era um processo claro de corrupção transformou-se em mais um caso de chicana política. (...)
As dúvidas instalaram-se de vez e será muito difícil à justiça livrar-se das suspeitas em que se enredou. O que significa que pode estar definitivamente condenada no pior dos tribunais: o da opinião pública. Por culpa própria."

(Filomena Martins)

4. "(...) Curiosamente, também na mesma página do semanário (Expresso), vem um artigo de opinião do senhor João Palma, presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público. Lendo o seu arrazoado chega-se à conclusão (também curiosa) de que entre as suas preocupações não figura nem a lentidão da justiça, nem a violação sistemática, pelos seus pares, do segredo de justiça. As preocupações do senhor Palma resumem-se à falta de autonomia do Ministério Público, pois, no seu entender, "a autonomia face ao Governo é formal e aparente".
Não é essa, no entanto, a opinião do Procurador-Geral da República que já afirmou publicamente que o Ministério Público português figura entre os que gozam de maior autonomia (...)
Lógico é concluir que o que senhor Palma quer, não é autonomia, que desta já o Ministério Público tem quanto baste e sobre. O que o senhor Palma quer é mais poder e, todavia, poder a mais também já ele tem. Ele e os seus pares. Não o que legitimamente detêm por força da lei, mas o que lhes advém da comunicação social que aos seus pares muito deve. (...)

(Francisco Clamote)

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Leituras

"Era previsível que as palavras do presidente do STJ, ontem reeleito para um mandato que não chegará ao fim, caíssem que nem uma bomba no seio do Ministério Público. Repensar a investigação criminal significa menorizar o papel do Ministério Público, torná-lo num mero executor.
Percebo o incómodo dos magistrados do MP, em especial agora que são dirigidos por um juiz e recordando-se que a nomeação de Pinto Monteiro logo gerou anticorpos na corporação. Mas o facto é que Noronha Nascimento tem carradas de razão. Quem acompanhe investigações e tenha acesso aos processos sabe da morosidade que é conseguir que o MP mexa um dedo. Depois há toda uma enorme desarticulação entre o trabalho feito pelas polícias e as permanentes andanças dos processos daquelas com o expediente para o magistrado competente, perdendo-se tempo, provas e tudo o que de interesse houvesse em termos de celeridade e eficácia.
Antes de Pinto Monteiro havia a sensação de que o MP estava em autogestão. Agora parece que há falta de autoridade e de sentido prático. O cumprimento da legalidade e de regras próprias da democracia por vezes tem este reverso. É pena que assim seja, mas os sucessivos governos e as múltiplas reformas processuais em vez de contribuírem para a melhoria do exercício da justiça, apenas serviram para criar novos entorpecimentos e estrangulamentos.

É triste ver arguidos e testemunhas a prestarem declarações nas secretarias do MP sem quaisquer condições, à vista e ao ouvido de todos. Como é desolador ver alguns empenhados magistrados do MP a tentarem produzir prova em audiência perante testemunhas que sistematicamente desmentem as declarações prestadas em sede de inquérito, chegando ao ponto de dizerem em julgamento que aquilo que souberam foi o que lhes foi transmitido pelo funcionário da secretaria do MP que as recebeu e lavrou os autos quando foram prestar declarações pela primeira vez... Sempre na ausência do magistrado titular.
É esta a regra. Por isso mesmo, em julgamento, os pedidos de extracção de certidões sucedem-se como se fossem cerejas, o que só serve para abrir novos inquéritos e criar novos estrangulamentos, inundando os tribunais de processos por falsas declarações e similares.

Também a actual fase da instrução não serve rigorosamente para nada porque a maioria dos JIC tem muito que fazer e o pedido de abertura de instrução é apenas visto como um expediente dilatório. Daí que invariavelmente os processos sigam para julgamento, mesmo quando não têm dignidade nem matéria para tal.
Muitos juízes de instrução não passam de chancelas do MP limitando-se a colocar um "visto" nos processos que lhes surgem. Os despachos estão pré-formatados e não raro chega-se aos debates instrutórios com os despachos já elaborados. Daí para a frente já não é com eles. Depois, é claro, sucedem-se tanto as absolvições em julgamento como as iníquas e vergonhosas condenações, apenas porque o inquérito foi mal dirigido, demorou demasiado tempo e a prova pertinente evaporou-se ou não foi sequer recolhida devido à burocracia. Os prejuízos são evidentes para todos.

O Ministério Público pode ficar desconfortável com a proposta de Noronha Nascimento mas ela é séria, justa, frontal e tem de ser ponderada desde já. Aliás, há um argumento decisivo que vai muito para além da boa vontade dos magistrados do MP: é que os resultados conhecidos nos processos mais mediatizados deixam muito a desejar. E quando os resultados são maus para todas as partes, a começar para a própria Justiça, aquilo que há a fazer é mudar, corrigir, alterar. E depois é deixar as coisas estabilizarem, as investigações prosseguirem os seus rumos, evitando-se as constantes mexidas na legislação. Mas para isso acontecer seria bom que pudesse ser feito por quem sabe, por alguém que vivesse no mundo e que não tivesse de descer à terra. Poupava-se no vaivém e dava-se descanso aos deuses e aos curiosos que puseram esta gaita de pantanas."

(Sérgio de Almeida Correia)

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

O paradoxo (2)

Descobri, entretanto, que Magalhães e Silva desenvolve a sua tese a favor do crime de enriquecimento ilícito no jornal "i".
"O crime de enriquecimento ilícito pode ser formulado nos seguintes termos: é punido com a pena de x anos de prisão o agente público que adquirir bens em manifesta desconformidade com os rendimentos fiscalmente declarados e sem que se conheça outro meio de aquisição lícito. E caberá ao Ministério Público fazer prova de tudo: (i) dos bens adquiridos e seu valor, (ii) dos rendimentos fiscalmente declarados, (iii) da manifesta desconformidade entre uns e outros, (iv) de não ser conhecido outro meio de aquisição lícito. O acusado terá o ónus de provar que, afinal, existe uma causa lícita de aquisição que não era conhecida - herança, bolsa, totoloto, euromilhões.
Ora o ónus de prova, em matéria criminal, sempre se distribuiu assim: a acusação prova o ilícito e a culpa, o acusado os factos que possam excluir uma coisa ou outra - provado o homicídio, é o arguido quem tem de provar a legítima defesa; provado o furto, é o acusado quem tem de provar o estado de necessidade."

Quanto aos requisitos do crime propostos, o problema reside no 4º, em que, para Magalhães e Silva, bastará "não ser conhecido outro meio de aquisição lícito". Ora, salvo melhor opinião, isso não chega. Em matéria criminal, há que provar a culpabilidade, o que se concretiza, neste caso, em provar que a forma de aquisição não é lícita, de que não houve herança, acções valorizadas na Bolsa ou um prémio ganho no totoloto. *
Mas o mais grave vem a seguir...
Acrescenta Magalhães e Silva que "a acusação prova o ilícito e a culpa, o acusado os factos que possam excluir uma coisa ou outra". Como já aqui escrevi, tais palavras só podem ser proferidas por quem não faz Direito Criminal. Estabelece o art.º 31º do Código Penal que "o facto não é punível quando a sua ilicitude for excluída pela ordem jurídica considerada na sua totalidade", nomeadamente por legítima defesa ou estado de necessidade. Ou seja, determinado acto, tipificado como ilícito criminal, é praticado, mas existem certas circunstãncias que determinam que não seja punível, condenável. Ora no caso do eventual crime de enriquecimento ilícito, provando-se que o rendimento foi obtido de forma lícita (totoloto, heranla, etc), nem sequer existe ilícito.
Por outras palavras, no primeiro caso é o MP que tem de provar a ilicitude e o Arguido provar as causas que "desculpabilizam" os factos praticados; no segundo (enriquecimento ilícito), teria de ser o Arguido a provar a licitude do facto (enriquecimento), o que constitui - não há volta a dar-lhe! - uma inversão do ónus da prova.
São, pois, realidades distintas e tal confusão deve-se por falta de prática neste ramo...

Presunção de culpa

O ónus da prova, que obriga a Acusação a provar o que alega, é o corolário da presunção de inocência. Inverter o ónus da prova significa inverter esta presunção, ou seja, a presunção de inocência dá lugar à presunção de culpa, em que o acusado se presume culpado e, se não provar a sua inocência, é condenado.
Estou convencido de que muita gente não tem noção do que diz e do que está a defender...

Processo Penal para leigos

Joana Amaral Dias, na RTPN, acaba de dizer que tem de se inverter o ónus da prova e que isso já acontece quando, por exemplo, alguém tem, em Tribunal, de provar a sua inocência através de um alibi.
Em primeiro lugar, a inversão do ónus da prova é totalmente contrária aos princípios basilares de qualquer estado de direito democrático.
Em segundo lugar - e aqui compreendo a ignorância de JAD, que não é jurista - em processo crime o arguido não te de apresentar alibi nem qualquer defesa. A Acusação é que tem de provar o que alega e mostrar, por exemplo, que não poderia ter sido outra pessoa a ter praticado o crime. O princípio de que o silêncio não prejudica o Arguido, o de que a não apresentação de Contestação ou de Alegações no final do Julgamento, entre outros, são exemplos de como não tem de ser o Arguido a provar a sua versão, mas sim o MP o que alega na Acusação.
Repito: não compreendo como é que pessoas que condenaram Guantanamo, como JAD, são capazes de defender a inversão do ónus da prova em processo penal. Sinceramente não compreendo!

O Paradoxo

Ouvi há momentos, no Jornal da Noite da Sic, Magalhães e Silva dizer que o crime de enriquecimento ilícito, defendido e proposto por alguns partidos, é constitucional e que não inverte o ónus da prova. Para o efeito, dá o seguinte exemplo: um indivíduo compra uma enorme casa; o Estado (Finanças, por exemplo) investiga e não descobre fontes de rendimento que permitam tal aquisição; como não descobre como conseguiu o dinheiro para comprar o palacete, acusa-o por Enriquecimento Ilícito. E diz que, se for inocente, o indíviduo pode sempre "mandar parar o baile" (sic) e apresentar, por exemplo, o totoloto ou o euromilhões. E conclui que terá de ser o indivíduo a provar que o rendimento é lícito e que é isto que já acontece!

Terminei com um ponto de exclamação pois considero esta última análise simplesmente desfasada da realidade. Com todo o respeito, tal entendimento só pode vir de alguém que não faz Direito Criminal e desconhece as regras.
Antes de mais, o crime de enriquecimento ilícito obrigará a que seja invertido o ónus da prova. Não pode ser o acusado a provar a inocência, mas sim o acusador a provar a culpabilidade. No exemplo dado pelo ex-candidato a Bastonário da OA, teria SEMPRE que ser o MP a provar que o dinheiro tinha sido obtido de forma ilícita, nomeadamente provando que não poderia ter sido obtido pelo totoloto ou pelo euromilhões. Isto é, o MP tem de excluir, através dos meios probatórios, que a origem do dinheiro é ilícita. Se pudesse ter sido pelo totoloto, o MP teria que investigar essa possibilidade (e acabaria por descobrir que tinha sido pelo jogo e arquivado o processo). Ao não fazê-lo, não se pode inverter o ónus da prova e obrigar o acusado a provar que tinha sido pelo totoloto.
Bem sei que seria mais fácil assim. Aliás, o objectivo da proposta de criação deste novo tipo de crime é precisamente este: facilitar a vida a quem investiga e acusa. Mas ao cedermos a tais tentações estamos a desvirtuar um princípio básico do nosso direito constitucional e penal: o da presunção da inocência.

Já agora, se o dinheiro tivesse sido, por exemplo, obtido pela venda de estupefacientes, não seria o acto já punível a título de tráfico de droga? E - outro exemplo - se tivesse sido por lucros na Bolsa, não declarados às Finanças? Não estaríamos perante um crime fiscal, já consagrado e punível? É que, como referi da primeira vez que se falou neste novo crime, o enriquecimento ilícito mexe com actos já, por si, previstos e puníveis na legislação penal.

Uma última nota: não deixa de ser curioso observar pessoas que criticaram fortemente Guantanamo (um péssimo exemplo de violação dos direitos mais básicos) virem a público defender e propor a criação do crime de enriquecimento ilícito. É, no mínimo, paradoxal...
.
Adenda: Rogério Alves, ex-Bastonário da OA, disse há momentos na RTPN que "para o enriquecimento ser ilícito, tem de haver um crime antes do enriquecimento e, como tal, já se pune esse ilícito." Como não se consegue punir o crime, pune-se o resultado desse crime, que é o enriquecimento, seja por tráfico, furto, ou por outra forma qualquer. Rogério Alves até ironizou com o nome da expressão, que se deveria chamar "enriquecimento frustrado"...

Leituras

"É absolutamente inaceitável que a Justiça, que não consegue pelos vistos fazer "em campo" a prova que lhe compete, decida fabricá-la na secretaria sempre através do mesmo tipo de expedientes, visando criar “opinião pública” a seu favor.
A lei processual penal é muito clara ao determinar que escutas ao Presidente da Assembleia da República e ao Primeiro-Ministro só podem ser feitas com decisão prévia do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, pelo que todas as que não tenham respeitado esse requisito são irremediavelmente nulas e deveria ter sido o Juiz de Instrução do processo a declará-lo de imediato. Por outro lado, também resulta da lei que escutas feitas no processo não podem servir de prova para outro processo. Ora, os Magistrados sabem perfeitamente que isto é assim – porque é que então actuaram como actuaram?
Por fim, os elementos que vieram agora para a praça pública só podem ter sido divulgados de dentro do Ministério Público, com tão cirúrgica quanto inaceitável violação do segredo de justiça!
Este tipo de golpes são inaceitáveis em Democracia, pois os adversários políticos derrotam-se nas urnas e não com "operações negras" deste tipo. Se oportunisticamente as deixamos passar em claro, nomeadamente porque o atingido é alguém de que não gostamos, amanhã estamos todos em risco! "

(António Garcia Pereira)

A face oculta da Justiça

Como se sabe, as nossas leis são, em regra, mal redigidas, dúbias, demasiado vagas - dando azo a inúmeras interpretações - e feitas por quem tem interesses paralelos, como é o caso dos deputados/advogados que legislam sobre matérias que aplicam na sua actividade fora do parlamento, no seu escritório e para benefício dos seus clientes.
Mas se há matérias que não deixam grande margem para dúvidas é, em processo penal, a das escutas como meio de obtenção de prova.
Vem isto a propósito do processo "Face Oculta" e das conversas interceptadas de Armando Vara e José Sócrates.
O Presidente do Supremo Tribunal de Justiça mandou destruir as gravações das conversas em que o Primeiro-Ministro entra, causando, politicamente, inúmeras críticas e pedidos de esclarecimento. Todavia, considero que, do ponto de vista jurídico, não existem grandes dúvidas, senão vejamos...

Com base nas notícias que têm vindo a público pelos media, podemos, portanto, partir do pressuposto que era Vara que estava a ser escutado e, por acaso, um (ou mais) dos telefonemas foi com Sócrates, com quem falou sobre diversos temas, temas esses que, até ao momento, desconhecemos. Vamos partir do presuposto, também, que nessa conversa (ou numa dessas conversas), falou-se sobre assuntos suspeitos ou a conversa apontou para a prática de ilícitos criminais. Isto é, vamos partir do pressuposto que Sócrates foi burro e falou pelo telefone com Vara sobre negócios e pagamentos e tal... Analisemos, então, o caso:

1. Todas as escutas têm, obrigatoriamente, de ser autorizadas, previamente, por um Juíz de Instrução, de acordo com o regime do art.º 187º do Código de Processo Penal. Ou seja, se forem realizadas sem o despacho prévio do JIC (Juíz de Instrução Criminal), são automaticamente nulas (art.º 190º).
Mas existem requisitos para a sua admissibilidade. As escutas só poderão ser autorizadas em casos excepcionais, quando, por exemplo, não exista outro meio de obtenção de prova (princípio da subsidariedade). Se existirem outros meios de prova (documentos, por exemplo), suficientes para a descoberta da verdade e para a condenação do arguido, então não deverá ser autorizada a escuta.

2. Quando o suspeito ou arguido é o Presidente da República, o Primeiro-Ministro ou o Presidente da Assembleia da República, em vez de ser o JIC a autorizar as escutas, é o Presidente do STJ (art.º 11º, nº2, b)).

3. Chegados aqui, deparamo-nos com o primeiro problema: Sócrates não é (ou era), até ao momento em que falou ao telefone com Vara, suspeito de estar envolvido no processo "Face Oculta".
Ora, estabelece o nº4 do art.º 187º que as escutas apenas poderão incidir sobre "suspeito ou arguido; pessoa que sirva de intermediário (...); vítima de crime, mediante o respectivo consentimento(...)"
Sócrates não assumia nenhuma destas posições.
Coloca-se a pergunta: serão admissíveis as escutas em prejuízo de Sócrates?

4. O nº7 do art.º 187º diz-nos que "a gravação de conversações ou comunicações só pode ser utilizada em outro processo, em curso ou a instaurar, se tiver resultado de intercepção de meio de comunicação utilizado por pessoa referida no nº4 e na medida em que for indispensável à prova de crime previsto no nº1".
Ora, como se disse no ponto anterior, Sócrates não era suspeito, arguido, ou mesmo vítima ou pessoa que sirva de intermediário, pelo que não são admissíveis as escutas contra si.

5. O nº7 do art.º 187º (parte inicial, que remete para o art.º 248º - "Comunicação da notícia do crime") deixa, porém, uma salvaguarda: mesmo sendo inválidas e não podendo ser utilizadas contra Sócrates, pode a autoridade policial responsável pela escuta e que ouviu a conversa, dar conhecimento ao Ministério Público do teor desta, para ser aberto inquérito, se for esse o entendimento do MP.
Ou seja, ao tomarem conhecimento de um eventual crime, até então desconhecido, ou da intervenção de pessoas de quem não se suspeitava, a autoridade policial informa o MP, mantendo-se, todavia, as escutas inválidas para aquela pessoa.
Aparentemente foi isso que fez o MP, enviando certidões para o STJ. O problema é que enviaram cópia das escutas, quando estas são inválidas, pelo que o STJ não teve outra alternativa senão declará-las nulas para aquele efeito. Quanto ao inquérito a abrir pelo MP, aquele depende da interpretação dos factos e da avaliação concreta do MP, nomeadamente a nível da probabilidade de se estar perante ilícitos criminais, da possibilidade ou não de se recolherem meios de prova, etc.

6. Mas resta-nos outro problema: o STJ declarou nulas as escutas das conversas entre Vara e o PM, quer contra Sócrates, quer contra o próprio Vara. Se quanto ao PM, não restam dúvidas de que não são válidas, já quanto a Vara deixa-me, no mínimo, muitas dúvidas.
As escutas foram (até prova em contrário) legalmente autorizadas, previamente, por um JIC, pelo que apenas no caso do nº6 do art.º 188º do CPP não são válidas. Diz-nos esta norma que "o juiz determina a destruição imediata dos suportes técnicos e relatórios manifestamente estranhos ao processo:
a) Que disserem respeito a conversações em que não intervenham pessoas referidas no n.º 4 do artigo anterior; (suspeito, arguido, pessoa que sirva de intermediário, ou vítima com o respectivo consentimento)
b) Que abranjam matérias cobertas pelo segredo profissional, de funcionário ou de Estado; ou
c) Cuja divulgação possa afectar gravemente direitos, liberdades e garantias (...)"
A única hipótese, remota, que dislumbro no caso concreto será o facto das conversas terem um teor privado que, ao serem divulgadas, afectam gravemente os intervenientes, sobretudo o PM, não visado no processo. É o chamado princípio da proporcionalidade, em que o prejuízo é bem maior do que a não validação das escutas, podento ter sido esta a interpretação do Presidente do STJ. Só assim compreendo que as escutas tenham sido invalidadas também para o "Face Oculta"...


Penso ter ficado esclarecida a questão das escutas. Mas há outros aspectos, que merecem algumas considerações:

Como em cima escrevi, a questão em causa é, do ponto de vista jurídico, linear e relativamente simples: só mediante autorização prévia do Presidente do STJ é que o PM pode ser escutado. E qualquer jurista que exerça Direito Criminal sabe isto. Esta questão levanta dúvidas, deixando mesmo no ar a possibilidade de o alvo das escutas ter sido o PM e não Vara...

b) Opiniões contrárias à minha foram já manifestadas.
Por exemplo, Luís Filipe Carvalho admite que as escutas que envolvam o PM são também inválidas contra Vara. Como em cima escrevi, considero que são, salvo a hipótese que referi.
Manuel da Costa Andrade, por seu lado, defende que as escutas são válidas, mesmo para um novo processo, a instaurar (neste caso, contra o PM). Diz o membro do Conselho Superior de Magistratura que "este regime (a escuta ter que ser previamente autorizada pelo Presidente do STJ) não prejudica o regime especial dos conhecimentos fortuitos, segundo o qual, feita validamente uma escuta, são válidos os conhecimentos adquiridos relativamente a crimes do catálogo". Ora, salvo melhor opinião, o nº7 do art.º 187º do CPP é bastante claro nesta matéria. Acresce o facto de a ratio da norma constante no artº 11º ser precisamente obrigar a que as escutas às três principais figuras do Estado sejam autorizadas apenas pela mais alta figura da Magistratura judicial, o Presidente do STJ, que, em termos constitucionais, está ao nível dessas 3 figuras. Mesmo que se admitisse, em tese, a possibilidade de as conversações serem válidas contra pessoas não abrangidas pelas escutas (sem ser ao abrigo do nº7 do 187º), estar-se-ia a permitir que as 3 figuras pudessem ser escutadas por autorização de um JIC, de um magistrado de primeira instãncia...


Uma última nota, já política: como escreveu o Juíz Conselheiro do STJ Eduardo Maia Costa, "cada vez gosto menos destas investidas anti-corrupção aparatosas, com nomes de código próprias de filmes policiais negros, detenções acompanhadas mais ou menos em directo pelos jornalistas, muito alarido todo o dia nos diversos canais de TV, repórteres em permanência à porta dos tribunais à espera da saída dos detidos, atropelando-se uns aos outros para serem os primeiros a dar a notícia das medidas de coacção, a divulgação intensiva da fotografia dos políticos envolvidos (já de alguma forma condenados...). Sabemos que o Zé Povo está ansioso por encontrar "culpados" para sobre eles descarregar todas as desgraças que o sobrecarregam. E que a luta contra a corrupção é um tema altamente rentável para a comunicação social. (...)"
Eu não diria melhor...

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Quem são os chibos?

Com algum atraso, respondo a este comentário de Victor Rosa de Freitas. Não respondi de imediato, pois pretendia responder em forma de post, pelo que aqui vai...

1. Começa por dizer que "o "segredo de justiça" não é, genericamente, violado por magistrados nem funcionários judiciais ou de investigação criminal."
Como pode garantir tal coisa? Será que tem conhecimento de algo que não sabemos? Não seria de espantar, tendo em conta o seu cargo, mas sendo assim pergunto: porque não actua o MP se sabe (ou desconfia) que se chibou? Acontece que o MP tem até a obrigação legal de exercer a acção penal quando estamos perante um crime evidente, como é o caso? Porque não faz nada, pactuando com o crime?
Ora, se analisarmos bem as fugas cirúrgicas, só podemos concluir que não são os jornalistas que andam aí com aparelhos de escuta, à James Bond, a captar conversas e a ouvir as trocas de ideias entre magistrados e/ou funcionários...

2. De seguida, escreve que "o "segredo de justiça" é, normalmente, violado pelas agências noticiosas (e outros "poderosos") e jornalistas que, com os modernos meios de "escuta" e "intromissão" sobre os operadores judiciários e nos processos, podem saber tudo sobre os mesmos..."
Bem... se estamos perante vigilância ilegal (espionagem, escutas ilegais, etc), ainda mais razões existem para o MP actuar em conformidade, nomeadamente abrindo inquéritos e requerer, por exemplo, buscas às redacções à procura de tais materias de escuta. Mais uma vez, pergunto: porque não faz nada?

3. Termina, dizendo que "os "operadores judiciários", para já, devem praticar a "omerta" processual quando há segredo de justiça, segundo a prática (antiga) da diplomacia: "For eyes only", sempre que se possa evitar “falar”."
Acontece que em muitos processos já se aplica esta prática e as fugas insistem em verificar-se...

Como escreveu Camilo Lourenço no Jornal de Negócios, "todos os grupos que compõem a gigantesca corporação que é a Justiça têm opinião sobre o assunto. Pior do que isso, gente bem colocada nessa corporação vai-se entretendo a largar, todos os dias, informações privilegiadas para a comunicação social (que, obviamente, faz o seu papel): pessoas envolvidas, processos utilizados, meios de prova, etc. Tudo com precisão (factual) cirúrgica, que denuncia acesso privilegiado à documentação do processo. (...)
É preciso lembrar à classe judicial uma coisa: enquanto for ela própria a participar na violação do segredo de Justiça, não vai conseguir inverter a má imagem que os portugueses têm dela."

sábado, 7 de novembro de 2009

Leituras

"Em mais um processo que faz alusão a figuras públicas, as escutas voltam a aparecer nas primeiras páginas dos jornais — por coincidência sempre nos mesmos jornais. Esta alegre violação do segredo de justiça é encarada com a maior bonomia pelas autoridades judiciárias e pelos órgãos de polícia criminal responsáveis pelo processo.
Tudo indica, mais uma vez, que está em causa um aproveitamento político-partidário de um processo em segredo de justiça, do qual se retiram conversas sem comprovada relevância para a investigação, para atacar o partido no poder e o seu líder. A pergunta que urge fazer é: até quando vai durar esta pouca-vergonha? E não me digam que colocar esta questão equivale a pactuar com a corrupção e o tráfico de influências ou desejar que os seus responsáveis não sejam punidos.
Pelo contrário, quem viola o segredo de justiça e confunde tudo é que não está interessado em combater a corrupção e o tráfico de influências. É como aquela beata falsa que bate com a mão no peito para apregoar a sua virtude, escondendo como pode os vícios privados.
Nos últimos dias, assistimos à publicação de mandados de busca que parecem ter sido escritos para servirem de notas de imprensa e assistimos à divulgação da existência de conversas telefónicas, independentemente da sua relevância, como se o objecto do processo fosse a amizade de um arguido com um líder político.
É claro que são os responsáveis ou aqueles que pactuam com este miserável estado de coisas, violando as leis todos os dias, que berram contra as mesmas leis e fazem declarações de amor pelo segredo de justiça. O problema destas criaturas é que, como dizia Lincoln, se pode enganar uma pessoa todo o tempo ou todas as pessoas durante algum tempo. Impossível é enganar todas as pessoas durante todo o tempo.
Os portugueses já vão conhecendo estes profissionais da violação do segredo de justiça e especialistas na instrumentalização político-mediática da investigação criminal. Tarde ou cedo, hão-de pedir-lhes responsabilidades, como é óbvio."

(Miguel Abrantes)

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Na Justiça como no futebol

"Há muito espectáculo na investigação criminal. Há muita investigação criminal que se faz para os órgãos de comunicação social e era bom que este espectáculo todo que se faz agora se fizesse com as condenações transitadas em julgado ou com as absolvições, não agora", disse António Marinho Pinto à agência Lusa (...)
"Não percebo esta espectacularização da investigação criminal quando outros casos ainda nem sequer saíram da fase investigatória", acrescentou. Marinho Pinto referiu ainda que o facto de uns casos nascerem sem que outros se concluam, "com a mesma espectacularidade, desprestigia a justiça". O bastonário referia-se, entre outras investigações, aos processos Face Oculta, Operação Furacão e Caso Freeport. Quanto às violações do segredo de justiça que têm feito manchetes em vários órgãos de comunicação social, Marinho Pinto defende que devem ser justificadas por magistrados e investigadores. "Eles é que são os titulares do processo. Eles é que são os guardiães do segredo de justiça. Por isso, eles que justifiquem por que é violado. Não venham com a desculpa dos jornalistas. Os jornalistas não violam o segredo de justiça, quando muito noticiam as violações, o resultado das violações", frisou. "Não há acusação, estamos a falar só de suspeitas ainda. Não há julgamento, não há condenação, não há trânsito em julgado. Está a condenar-se como se já houvesse um veredicto definitivo de culpabilidade", criticou. "

(Sic online)

As constantes violações ao segredo de justiça são sempre no mesmo sentido e têm sempre o mesmo objectivo: condenar, na praça pública, os suspeitos. Quem se chiba para os media apenas pensa em "lixar" os suspeitos, antecipando uma eventual sanção com uma condenação pública, aos olhos das pessoas, que, ao ouvirem ou lerem as notícias, condenam de imediato os envolvidos.
Considero, até, que esta situação leva (ou pode levar) a que os juízes que irão, mais tarde, julgar os suspeitos/arguidos sintam a pressão mediática para condená-los, pois receiam que, ao absolverem (por falta de provas ou prova da inocência) os arguidos, ficarão mal vistos perante a opinião pública. E quem se chiba sabe isto, por isso comete um crime de violação de segredo de justiça, para colher os frutos ainda antes do julgamento. Esta situação faz-me, até, lembrar aqueles jogos de futebol onde as equipes ganham com ajudas dos árbitros. Quando receiam perder no final do encontro, antes dele começar compram o árbitro, neste caso utiliza-se um método parecido, usa a comunicação social para pressionar os árbitros ainda antes do julgamento, para, no final deste, conseguir a vitória, a condenação.
Maquiavélico? Sem dúvida!

Pergunto: não será possível ter-se passado a informação aos jornalistas apenas nesse momento, precisamente para se poder apontar o dedo aos advogados dos arguidos, notando o timing entre o tomarem conhecimento do processo e a publicação das notícias? Se foram estes a chibarem-se, porque o fariam? Para, num acto de puro masoquismo, queimar a imagem dos seus clientes na praça pública? Que interesse teriam os advogados em chibarem-se?
Please!...