sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Tem de ser de algum lado

Uma das notícias do dia foi a insinuação do arquitecto Saraiva de que o Procurador-Geral da República teria avisado os arguidos do Face Oculta de que estavam a ser escutados, pois - segundo ele - estes souberam logo que a PGR recebeu as certidões de Aveiro. Veio no Sol e foi por ele dito na Comissão parlamentar onde foi ouvido.
Em primeiro lugar, as fugas de informação partem sempre de algum lado. Ou os jornalistas entram nas instalações dos tribunais e furtam peças processuais ou então alguém lhes passa a informação. E esse alguém terá, necessariamente, que ter acesso aos processos, à informação. Isto significa que, à partida, todos são suspeitos, no sentido de que pode ter sido um magistrado, um juíz, um advogado, um funcionário, uma senhora da limpeza, alguém que esteve em contacto com o processo.
Em segundo lugar, estamos a partir do pressuposto de que existiu de facto uma fuga no dia a seguir ao PGR ter recebido as certidões, mas a única maneira de sabermos isso é termos conhecimento de escutas, escutas essas que estão ainda abrangidas pelo segredo de justiça. E vindo esta insinuação de quem vem, considero-a suspeita e duvidosa. Porque já se percebeu a verdadeira intenção do arquitecto Saraiva. E as escutas têm sido publicadas às pingas e os jornais apenas publicam as que lhes convém, sejam a favor ou contra os visados, fazendo interpretações duvidosas.
Em terceiro e último lugar, já se percebeu que neste país não há interesse em investigar o crime de violação do segredo de justiça. Porque será?

A recandidatura de Marinho Pinto

A decisão de se recandidatar a Bastonário não surpreende ninguém. A cerca de dez meses das eleições, Marinho Pinto antecipa-se a outros pretendentes, alguns deles ainda indecisos. Já aqui por diversas vezes dei a minha opinião sobre o Bastonário mais radical e exuberante de que há memória. Não garanto já que não votarei nele, pois tal depende dos restantes candidatos, mas a probabilidade é mínima, isto apesar das virtudes da sua postura e de algumas coisas boas que fez (bem menos que as más, diga-se). Lá mais perto do acto eleitoral pronunciar-me-ei sobre as candidaturas e os programas. Pois é certo que muita água ainda irá correr até lá...

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

CPP revisto

"O Governo aprovou alterações ao Código de Processo Penal, que alargam o âmbito de crimes para aplicação da prisão preventiva e que facilitam ao Ministério Público tomar a decisão de sujeitar processos a segredo de justiça.
Estas medidas foram aprovadas na generalidade e serão apresentadas mais tarde, em conferência de imprensa, pelo ministro da Justiça, Alberto Martins.
No final do Conselho de Ministros, o titular da pasta da Presidência, Pedro Silva Pereira, referiu que as medidas do executivo surgiram na sequência "de uma proposta de ajustamento em matéria do regime de segredo de justiça".
"O próprio Ministério Público poderá tomar a decisão de sujeitar um determinado processo ao regime de segredo de justiça, quando devesse, pela regra geral, ser aplicada a regra da publicidade. Essa decisão passa agora a caber não à autoridade judiciária, mas sim ao próprio Ministério Público", explicou o ministro da Presidência.
No entanto, Pedro Silva Pereira frisou que os "interessados no processo poderão sempre pronunciar-se em sentido contrário" à decisão. "Se isso acontecer, haverá uma validação da decisão [do Ministério Público] pelo juiz. Mas o objectivo desta proposta é simplificar procedimentos, tendo em vista a aplicação do regime de segredo de justiça", acrescentou.
Em relação à prisão preventiva, o executivo salienta que se manterá o princípio de que apenas poderá ser aplicada a crimes puníveis com pena máxima de prisão superiores a cinco anos.
"A alteração consiste no alargamento da prisão preventiva a determinados fenómenos criminais que atingem uma gravidade social elevada e cujas restantes medidas de coacção, em concreto, possam não ser suficientes para reagir às necessidades cautelares do caso concreto: ofensa à integridade física qualificada, furto qualificado, falsificação ou contrafacção de documento e atentado à segurança de transporte rodoviário", especifica o executivo.
No alargamento da tipologia de crimes em que poderá ser aplicada a prisão preventiva, o Governo pretende também "deixar claro que os crimes de violência doméstica e de resistência e coacção a funcionário, dano qualificado, por constituírem criminalidade violenta, permitem a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva".
Nas alterações agora aprovadas, também se passa a permitir a "detenção fora de flagrante delito ou a manutenção da detenção em flagrante delito, quando tal privação de liberdade seja a única forma de defender a segurança dos cidadãos"."

(Jornal de Notícias)

Estas alterações surgem no seguimento das propostas do Observatório Permanente da Justiça, tornado público em Outubro. Não constituem, portanto, surpresa, indo até ao encontro da posição da maioria dos profissionais forenses. Veremos é se resultam. Espero que sim.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

LPC esmiuçado

O trabalho do Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária esmiuçado aqui.

Escutas a magistrados

A proposta partiu de Cândida Almeida, Procuradora e Directora do DIAP de Lisboa, como possível medida para combater a violação do segredo de justiça. O Sindicato dos Magistrados do MP já se mostrou contra e as reacções têm sido rápidas a criticar a ideia. Mas será a proposta assim tão descabida?
A sensação geral é de que as violações ao segredo de justiça (em especial as escutas) partem do MP. Não sei se assim será, pois as poucas investigações a este tipo de crime (que já é considerado por muitos como o crime que mais fica impune em Portugal) não dão em nada - vá-se lá saber porquê. Ora, existindo, em abstracto, a possibilidade de as fugas partirem dos magistrados do MP (tal como dos Juízes, dos advogados ou dos funcionários, que têm acesso ao processo), não podem estes ficar imunes à investigação deste tipo de crime. Porque ninguém está acima da lei. Mas, para esta medida surtir efeito teria que, para além de se alterar a lei de forma a possibilitar a realização de escutas nestes casos, se mostrar, na prática, útil. Ora, entendo que a utilidade deste meio de obtenção de prova seria quase nula. Quem dá os elementos constantes nos autos aos jornalistas, fá-lo de uma só vez. Isto é, se tira, por exemplo, cópias e entrega-as ao jornalista, para que servirão, afinal, as escutas, se o crime foi cometido no acto de entrega e não existe mais contacto entre o jornalista e quem fornece a informação?

Penso que não devemos, à partida, excluir qualquer ideia para combater a violação do segredo de justiça, mas as propostas que surjam nesta matéria devem ser bem explicadas e fundamentadas, pois as alterações à lei devem ser positivas, para melhorar a norma alterada e não para criar maior confusão ou piorar a interpretação jurídica que fazemos dela, como tem sido hábito nos últimos anos. E esta ideia parece-me mal explicada.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Esquecimentos

A notícia já tem alguns dias, mas não quero deixar de a comentar. A defesa apresentou, desde Agosto do ano passado, três requerimentos, chamando a atenção do Tribunal de Execução de Penas do Porto para os prazos verificados (que impunham a concessão de liberdade condicional). O Tribunal nunca respondeu. Depois de sete meses em prisão ilegal, a defesa acabou por apresentar um Habeas Corpus no STJ, pedido que nem sequer chegou a ser analisado, pois o Tribunal de Execução de Penas do Porto, que, aparentemente, andava distraído até então, acordou e ordenou a libertação do homem.
Com a entrada em vigor do regime de responsabilidade civil dos juízes, o magistrado judicial do Tribunal de Execução de Penas arrisca-se, assim, a ser condenado a pagar uma indemnização. Isto, claro, para além da responsabilidade disciplinar, caso o Conselho Superior de Magistratura não feche os olhos a este caso.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Providências cautelares

Deve ser pontaria, quando tenho menos tempo para blogar surge algum tema que merece análise profunda e desenvolvida. Agora é com as providências cautelares...
Já ontem se discutiu, na Sic, este mecanismo legal, onde o Juíz Rui Rangel e Miguel Sousa Tavares se pronunciaram sobre a já polémica providência cautelar ao jornal Sol. Mas tenho lido já alguns textos e ouvido algumas notícias que confundem ainda mais as pessoas que não percebem de Direito e se baseiam em pressupostos errados ou não confirmados. Vejamos.

a) As providências cautelares dividem-se em duas espécies: especificadas e não especificadas (comuns). Nas primeiras, tipificadas na Lei, temos, por exemplo, o Arresto ou o Embargo de Obra Nova. Nas outras, temos todas as outras que, não estando especificadas, sirvam para proteger um direito ou prevenir um dano irreparável.

b) Os artigos 381º e seguintes do Código de Processo Civil regulam os procedimentos cautelares comuns:

"ARTIGO 381.º
(Âmbito das providências cautelares não especificadas)

1. Sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado.
2. O interesse do requerente pode fundar-se num direito já existente ou em direito emergente de decisão a proferir em acção constitutiva, já proposta ou a propor.
(...)

ARTIGO 382.º
(Urgência do procedimento cautelar)

1. Os procedimentos cautelares revestem sempre carácter urgente, precedendo os respectivos actos qualquer outro serviço judicial não urgente.
(...)

ARTIGO 383.º
(Relação entre o procedimento cautelar e a acção principal)

1. O procedimento cautelar é sempre dependência da causa que tenha por fundamento o direito acautelado e pode ser instaurado como preliminar ou como incidente de acção declarativa ou executiva.
(...)

ARTIGO 384.º
(Processamento)

1. Com a petição, oferecerá o requerente prova sumária do direito ameaçado e justificará o receio da lesão.
2. É sempre admissível a fixação, nos termos da lei civil, da sanção pecuniária compulsória que se mostre adequada a assegurar a efectividade da providência decretada.
(...)

ARTIGO 385.º
(Contraditório do requerido)

1. O tribunal ouvirá o requerido, excepto quando a audiência puser em risco sério o fim ou a eficácia da providência.
(...)"

c) Da leitura das normas acima transcritas, concluímos o seguinte:
- O procedimento tem carácter urgente, com o objectivo de garantir o seu efeito em tempo útil;
- Visando impedir a consumação de uma lesão ou um dano, irreperável, terá necessariamente de produzir efeitos e ter que ser analisada em tempo útil, antes, portanto, da consumação do acto danoso;
- A decisão deve ser tomada depois de ponderadas as consequências da providência e o juíz avalia sempre os contras e os eventuais prejuízos do seu decretamento;
- Pode ser decretada sem ouvir primeiro o visado, quando a sua audição (que implicará tomar conhecimento da providência) possa colocar em causa a eficácia da providência e, consequentemente, precipitar a consumação do dano ou da lesão;
- O requerente terá, sempre, que provar, na chamada "acção principal", a existência do direito que alega ter e o prejuízo, dano ou lesão que diz sofrer com a publicação das conversas escutadas. Se o tribunal não lhe der razão, estas poderão ser publicadas.

d) A providência cautelar terá sido requerida por um administrador da PT, supostamente "apanhado" em escutas telefónicas no processo Face Oculta e, segundo o que tem sido veiculado pelos media, a providência visa impedir o jornal de publicar mais escutas em que esteja "envolvido".
Em primeiro lugar, urge esclarecer dois aspectos: 1) Partindo do pressuposto que esta informação é verdadeira, então a providência visa apenas impedir a publicação de determinadas escutas (as que envolvam o requerente) e não outras. Significa isto, pois, que outras escutas poderão ser publicadas, desde que não sejam aquelas. Nem, pela mesma razão, impede que o jornal Sol seja colocado à venda, como, aliás, acabou por ser. Deste modo não se compreende uma certa vitimização que se propagou em alguns jornalistas e/ou bloggers que já falavam em proibir o jornal de ir para as bancas e de condená-lo à asfixia financeira. Certamente, o jornal não tem só aquela notícia nem apenas aquelas escutas; 2) Já hoje se tem falado em incumprimento, por parte do Jornal Sol, da providência, ao publicar a informação. Ora, ainda não li a reportagem completa do semanário, mas parece que há dúvidas sobre a informação constante. Ou seja, poderá haver incumprimento apenas no caso de o jornal ter publicado novas escutas que envolvam o requerente da providência. Se apenas volta às mesmas escutas já publicadas a semana passada, então não há incumprimento.

e) Já muitas pessoas, alguma com cargos relevantes (por exemplo, deputados e jornalistas), levantaram dúvidas sobre a decisão judicial. Para além de questionarem a justeza da decisão, que decretou a providência, levantaram suspeições sobre o (a) magistrado (a) da 11ª Vara Cível de Lisboa. Vicente Jorge Silva, entre outros, suspeita da celeridade com que foi decretada a providência. Ora, acontece que VJS, por quem tenho enorme consideração, desconhece o regime deste instrumento legal e o seu carácter urgente. Tendo sido, na semana passada, publicadas escutas e tendo sido dada entrada de uma providência cautelar para impedir nova publicaão hoje (ontem, já que o jornal foi para as gráficas ontem), o tribunal teria que decidir em tempo útil, ou seja, até ao dia de ontem, sob pena de inutilidade superveniente (pelo menos parcial, pois poderia sempre impedir ainda mais publicações para a próxima semana, pois já se percebeu que o Sol vai publicar a informação às pinguinhas, como a TVI fez com o dvd no caso Freeport).
É, pois, preciso ponderação nas palavras e prudência e serenidade nos comentários. Levantar falsas (ou infundadas) suspeitas sobre o poder judicial é minar a confiança dos portugueses da Justiça e colocar em causa a Ordem e o Estado de Direito. É abrir uma caixa de pandora, cujas consequências serão sempre nefastas e altamente perigosas.

f) Por último, um comentário sobre a dúvida se o jornal foi ou não notificado. Segundo se sabe, o solicitador foi retido na recepção das instalações do semanário, não tendo entregue a notificação a ninguém, nem aos directores, nao ao Sol (enquanto pessoa colectiva). Na nota editorial, o jornal diz que tomou conhecimento de que iria ser notificado pela comunicação social, mas recusou-se a receber a notificação. Ou seja, fugiu à Justiça, quando sabia que ia ser notificado. Fiquei na dúvida (nenhum órgão de comunicação social soube explicar, pelo menos que eu saiba) se terá havido ou não citação edital (a citação é afixada nas instalações, por exemplo na porta).
Sobre esta aspecto, faço minhas as palavras de Eduardo Maia Costa, Juiz Conselheiro do STJ: "a reacção do "Sol" foi bem mesquinha, bem à portuguesa: fugir à notificação é como procedem geralmente os que têm medo de assumir as consequências dos seus actos. Incapaz de assumir uma atitude frontal de desobediência civil, em nome da ética jornalística e do superior interesse público, o procedimento do "Sol" é mesquinho, é rasca."

Termino com uma nota: não irei, porque acho que não devemos fazê-lo fora da sede própria (tribunais), analisar a providência, se é justa ou não, se tem fundamentos ou não. Apenas direi que, provavelmente - e sem querer emitir qualquer juízo de valor -, terá sido aceite com base nos seguintes argumentos: i) possível manipulação das escutas e falsidade da informação publicada; ii) a informação foi obtida com violação do segredo de justiça (por meio ilegal, portanto); iii) a publicação de mais escutas provocará mais danos na imagem e na honra do requerente (criando um libelo que nunca desaparecerá). Provavelmente, terá sido ainda decretada sem audição prévia do jornal por receio de, sabendo este da providência, publicar a informação online e consumar o dano.
Não quero, com isto, dizer que concordo ou discordo da decisão, mas apenas que poderão ter sido estes os argumentos utilizados (como aliás, já foi especulado por alguns media) e os fundamentos do tribunal.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Grande Entrevista: Noronha de Nascimento

Judite de Sousa, que se esqueceu de tomar um Xanax antes da entrevista e, por causa disso, impediu que a conversa tivesse sido ainda mais esclarecedora, permitiu ao Presidente do STJ tirar muitas dúvidas sobre as escutas do Face Oculta. Vale a pena ouvir até ao fim, para se perceber, também, a loucura e o grau de especulação que isto já atingiu...
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Adenda: Noronha de Nascimento esteve também na Sic.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Para que não restem dúvidas

"Artigo 88.º
Meios de comunicação social

1 — É permitida aos órgãos de comunicação social, dentro dos limites da lei, a narração circunstanciada do teor de actos processuais que se não encontrem cobertos por segredo de justiça ou a cujo decurso for permitida a assistência do público em geral.

2 — Não é, porém, autorizada, sob pena de desobediência simples:
a) A reprodução de peças processuais ou de documentos incorporados no processo, até à sentença de 1.ª instância, salvo se tiverem sido obtidos mediante certidão solicitada com menção do fim a que se destina, ou se para tal tiver havido autorização expressa da autoridade judiciária que presidir à fase do processo no momento da publicação;
b) A transmissão ou registo de imagens ou de tomadas de som relativas à prática de qualquer acto processual, nomeadamente da audiência, salvo se a autoridade judiciária referida na alínea anterior, por despacho, a autorizar; não pode, porém, ser autorizada a transmissão ou registo de imagens ou tomada de som relativas a pessoa que a tal se opuser;
c) (...)

3 — (...)

4 — Não é permitida, sob pena de desobediência simples, a publicação, por qualquer meio, de conversações ou comunicações interceptadas no âmbito de um processo, salvo se não estiverem sujeitas a segredo de justiça e os intervenientes expressamente consentirem na publicação."

(Código de Processo Penal)

Posições políticas

Já aqui escrevi por diversas vezes porque considero necessário que os magistrados devem, em determinadas situações, prestar esclarecimentos públicos. Só acho curioso é a Associação Sindical dos Juízes defender tal premissa quando politicamente acha conveniente, em vez de a defender quando mais interessa aos próprios juízes...

Já tou farto de escutas

A pedido de várias famílias, passo a explicar, sucintamente, a minha posição sobre a notícia do Sol e a publicação das conversas (escutas).
Antes de mais, há que distinguir entre conversas entre Vara e Sócrates, já analisadas por quem de direito (pelo PGR e pelo Presidente do STJ) e já aqui abordadas, e as conversas entre Vara e Penedos.
Tendo sido as primeiras declaradas nulas e tendo sido ordenada a sua destruição, qualquer pessoa está proíbida de as divulgar. Quem as divulgar, está a cometer um crime de desobediência, nos mesmos termos do caso das escutas do Apito Dourado e aqui analisadas.
Ora, acontece que o Sol vem, na nota editorial, alegar que as escutas que publicou teriam sido já analisadas por quem de direito e, como tal, teriam "transitado em julgado". Não irei abordar a definição legal de "trânsito em julgado" (pois não interessa para o caso), mas as escutas que foram analisadas são as conversas entre Vara e Sócrates e não as escutas publicadas. De facto, o Sol publicou não aquelas, mas as conversas entre Vara e Penedos, não estando o PM envolvido em tais escutas. Ou seja, o Sol trocou as escutas e enganou (ficamos sem saber se de forma intencional ou não) os leitores.
Assim, ao publicar escutas ainda abrangidas pelo segredo de justiça (são meio de prova no processo Face Oculta, que se encontra ainda sob segredo de justiça), o jornal cometeu um crime de violação de segredo de justiça. E por ter violado, a PGR abriu dois inquéritos para averiguar o caso. O primeiro foi certamente contra o jornal e o segundo provavelmente contra o Juíz de Instrução de Aveiro (e aqui baseio-me numa notícia do DN). E aqui é que a porca torce o rabo...
Segundo o DN, o subdirector do Sol constituíu-se Assistente no processo, passando ter acesso aos autos, incluindo às escutas entre Vara e Penedos (e não às as escutas entre Vara e Sócrates), tendo vindo a publicá-las. Ora, apesar de ter direito a consultar o processo, o jornal nunca poderia publicar partes dos autos*, pois o segredo de justiça, para o Assistente, é "interno" e não "externo", isto é, pode consultar os autos, mas não pode divulgar a ninguém ("for your eyes only", usando uma expressão inglesa). E a pergunta que se impõe é esta: como é que o Juíz autorizou a consulta dos autos por parte do subdirector do Sol? É que eu tenho clientes que são Assistentes em processos e não têm direito a consultar processos sob segredo de justiça...
Se, a isto, juntarmos o facto de ter permitido escutas ao PM sem as remeter para o Presidente do STJ, dúvidas levantam-se. E mais não digo.

* O CC toca num aspecto também interessante: se o despacho judicial publicado pelo jornal prende-se com a certidão enviada para a PGR, não existe processo e, portanto, nunca poderia ter sido publicado; se se prende com o processo Face Oculta e encontra-se nos autos, voltamos ao que em cima escrevi: partes do processo não podem ser divulgadas. Uma enorme incoerência que o Sol terá que explicar devidamente.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Regresso ao passado

Tornámo-nos num país de bufos e chibos, de violações de segredo de justiça e de publicação de conversas privadas. Esta passou a ser a nossa imagem, como sociedade, como povo. Deixou de existir reserva de intimidade e privacidade e a coscuvilhice passou a prevalecer. E isto deveria ser preocupante numa sociedade que diz ser democrata. Afinal, como escreveu Vasco Pulido Valente, os métodos da PIDE persistem e a mentalidade do antigo regime perdura.
Se por um lado gostaria de aqui escrever uma longa prosa sobre o assunto, não tenho pachorra para analisar pormenorizadamente e fundamentar a minha posição nesta matéria, alías já conhecida para quem costuma aqui passar. Não vou, pois, explicar porque entendo que as escutas estão ainda abrangidas pelo segredo de justiça, explicar porque entendo que o Sol cometeu um crime ao publicá-las, mesmo que apenas excertos, criticar a grosseira confusão entre conversas entre Vara e Penedos (sob segredo de justiça e ainda não "transitadas em julgado", como alegado pelo jornal em Nota editorial*) e conversas entre Vara e Sócrates (essas sim, já analisadas por quem de direito), confundindo (intencionalmente?) os leitores, criticar a campanha do Sol - jornal liderado por um fan assumido de Ferreira Leite - contra o actual PM (na senda da TVI, versão MMG. e do Público, versão JMF), não vou perder mais um minuto que seja com comportamentos que considero, estes sim, atentadores do Estado de Direito, da Democracia e da Liberdade de Imprensa, pois se se fala muito da suposta falta desta, deveria pensar-se como os grupos económicos influenciam as redacções e manipulam a informação.

* Se o Sol alega que não há violação do segredo de justiça, por supostamente as escutas publicadas terem "transitado em julgado", porque escreve, no título (ver imagem), que são proíbidas?

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Aventuras negras (6)

"Um cliente dirige-se ao advogado, pedindo um conselho. Tinha uma vaca, que tivera uma vitela. Sucede que a vitela nascera no terreno do vizinho e este dizia que, por isso, o animal era seu. O advogado respondeu-lhe que, como era evidente, se ele próprio era o dono da vaca, também era dono da cria.
Mais tarde, surge no escritório outro cliente – era o vizinho. O advogado deu-lhe inteira razão. Como era evidente, disse-lhe o advogado, se nascera no seu terreno, o vitelo era seu.
Mal o cliente saiu, o estagiário, que assistira às duas conversas, perguntou ao advogado:
- Estagiário: Então afinal, de quem é a vitela?
- Advogado: A vitela é nossa!"

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Péssimo exemplo

São exemplos como este que dão má fama à nossa profissão. Lamentável.

'Big brother' fiscal

Será que não há um único jurista decente no PS que diga que um diploma destes não passa no Tribunal Constitucional?...
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Adenda: parere que, afinal, a proposta não era do PS mas apenas de 3 dos seus deputados e que Assis, o lider da bancada, recusou a proposta e esta acabou por nem sequer ser apresentada. Em que estariam a pensar os tais 3 deputados?