quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Mulheres em maioria

Os números não são nenhuma surpresa. Há algum tempo que existe a clara tendência de se licenciarem mais mulheres que homens e, consequentemente, de se formarem mais mulheres juristas.
Tenho uma teoria, algo complexa, para este facto. Talvez um dia tenha tempo e paciência para escrever um longo texto sobre ela...

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Balanço de 2009 - Justiça

O ano que agora termina foi negro para a Justiça portuguesa. Por vários motivos, desde a cada vez maior politização da Justiça (nomeadamente através do aproveitamento político de casos concretos para atacar adversários) até à produtividade da Justiça e dos resultados obtidos pelos tribunais, cuja avaliação é cada vez mais negativa pelos portugueses, como o comprovam as sondagens e estudos de opinião.

O legislador é cada vez mais incompetente, produzindo leis cada vez mais absurdas, vagas e com erros, quer de sintaxe quer de gramática. Criam-se diplomas em catadupa, muitos deles inúteis ou evitáveis. Se é para mostrar trabalho, então mais valia não trabalhar...
Os tribunais estão mais entupidos, apesar de algumas melhorias em alguns deles. O Tribunal de Sintra, denominado Comarca de Grande Lisboa - Noroeste, que engloba ainda as antigas comarcas de Amadora e Mafra, está parado, como já aqui dei alguns exemplos (e poderia dar mais alguns). Cível, Criminal, Laboral, está tudo parado. Se a Justiça era lenta, agora está morta. Se esta comarca piloto serviu para testar o Mapa Judiciário, mostrou que este deve ser revisto, sobretudo nesta Comarca (como aliás o actual Ministro da Justiça já deu a entender).
As classes profissionais têm uma imagem ainda pior. Os Juízes são cada vez mais criticados pelas suas decisões (e, por vezes, com razão), os Procuradores estão num limbo, com polémicas atrás de polémicas (influências políticas, maus resultados, decisões judiciais desfavoráveis nomeadamente em processos mediáticos, etc) e os Advogados estão numa quase guerra civil provocada por um Bastonário polémico e problemático. E quem fica a perder somos todos nós, profissionais forenses e cidadãos que procuram ajuda na Justiça.
A tutela mudou, com as eleições legislativas, de Ministro e o novo parece ter mudado de atitude. Quanto às ideias e propostas, espero para ver, mas poderá ser melhor do que a nulidade chamada Alberto Costa...

Resumindo e concluindo, espeo sinceramente que 2010 seja bem melhor. Aliás, pior do que 2009 será difícil. Mas temos todos, em conjunto, ajudar que isto melhore, porque assim não vamos a lado nenhum. Em vez de termos Lei e Ordem, temos uma anarquia, onde a Justiça simplesmente não funciona e não serve o país.

Conhecidos os despachos do Presidente do STJ

Recomendo a leitura dos dois despachos do Presidente do STJ sobre as escutas entre Vara e Sócrates no Processo Face Oculta (o primeiro de 3 de Setembro e o segundo de 27 de Novembro), sobretudo àqueles que defendem a legalidade das mesmas e em particular ao Dr. Paulo Pinto de Albuquerque.
Como já aqui escrevi, as conversas caiem no âmbito do artigo 11º, nº2 b) do CPP, pelo que só o Presidente do STJ poderia despachar no sentido que despachou o JIC de Aveiro. Sempre foi esta a minha posição jurídica e é esta a posição de Noronha de Nascimento.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Aventuras da Justiça Portuguesa

Começei este fim-de-semana a ler "As extraordinárias aventuras da Justiça portuguesa", livro da autoria de Sofia Pinto Coelho e que conta estória relacionadas com os Tribunais e os seus operadores. Algumas são conhecidas do público em geral, porque publicitadas nos media, mas outras não e que foram contadas por quem trabalha nos Tribunais.
Algumas dessas estórias, que chegaram quase sempre à barra, mostram o que de mal vai na Justiça e os defeitos de um sistema, sistema este construído e controlado pelo Homem. Se os defeitos existem, é porque nós somos defeituosos. Podemos todos nós - advogados, juízes, procuradores e funcionários - mostrar indignação pelos casos contados no livro, mas somos nós que os protagonizamos, diariamente, e os criamos.

Isto vem a propósito da entrevista dada pelo Juíz de Instrução Carlos Alexandre ao Correio da Manhã. Já me cruzei várias vezes com o Dr. Carlos Alexandre no "ticão" e não podia ter melhor opinião dele. É um jurista brilhante e um magistrado altamente competente e brioso. Mas há um excerto na entrevista que me deixam atónito.
O comentário prende-se com o crime de enriquecimento ilícito, onde declara que "não teme a inversão do ónus da prova". Tal como já tinha aqui escrito a propósito de outro tema, assusta-me que um Juíz, sobretudo criminal, seja a favor da inversão do ónus da prova, em que o acusado tem de provar a sua inocência, sob pena de ser condenado pela prática de um crime. Eu temo a inversão. Um democrata que não teme a inversão do ónus está, na prática, a defender o absolutismo e o autoritarismo e o uso de práticas radicais. E temo os magistrados que defendem esta posição.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Ordem dos Médicos ou Sindicato dos Médicos?

Como órgão de Justiça disciplinar, a Ordem dos Médicos nunca funcionou convenientemente. Quase todos os casos de negligência médica que resultaram em condenações judiciais (civis ou criminais) deram em arquivamento na Ordem. Esta notícia é apenas mais um exemplo que indicia a falta de interesse da OM em avaliar de forma isenta os casos que lhe são apresentados. E se compararmos com, por exemplo, a Ordem dos Advogados, concluímos que existe uma diferença abismal. Os números de "condenações" disciplinares dos advogados são públicos. Algumas até são publicadas na revista da Ordem. Se um advogado cometer um ilícito disciplinar, é praticamente certo que lhe seja aplicada uma sanção (as mais comuns são as suspensões).
A pergunta que se impõe é, pois, esta: a Ordem dos Médicos é uma entidade, imparcial, que regula a actividade dos médicos ou apenas mais um sindicato que visa apenas proteger e defender os médicos, mesmo quando estes erram?
Errar é humano e todos nós erramos. Mas quando erramos temos de responder pelos erros e o que a Ordem dos Médicos aparenta fazer, caso após caso, é varrer o pó para debaixo do tapete, protegendo os médicos e ignorando (e prejudicando) as vítimas dos erros. E as vítimas são pessoas, que, por vezes, até perdem a vida (ou, no caso da notícia em cima linkada, o bebé). Poderá a Ordem, como entidade de interesse público, ser responsabilizada por esta atitude corporativa? Poderemos continuar a permitir este comportamento de protecção profissional?

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Presunção de inocência

Através do Tomás Vasques, cheguei a esta notícia, que nos dá conta de um homem que, há 35 anos, foi condenado a prisão perpétua por um crime que, provou-se agora, afinal não cometeu.
Melhor exemplo não pode haver para demonstrar que a presunção de inocência é um bem precioso e que as condenações precipitadas, sejam em tribunal ou na comunicação social, são sempre injustas e, até, perigosas.
Ninguém poderá compensar ou fazer apagar os 35 anos que este homem inocente esteve preso. O tempo perdido - e a vida desfeita - nunca poderá ser recuperado. Seria bom que toda a gente pensasse nisto e imaginasse passar por uma situação destas...

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Justiça influenciada pela política?

A questão foi levantada pela TSF e até faz sentido se considerarmos a forma como são escolhidos os Juízes que compõem o órgão. Mas penso que não tem qualquer fundamento. Do ponto de vista jurídico, não me recordo, neste momento, de discordar de uma decisão que seja do TC. Se do ponto de vista político, as decisões não deixam de ser polémicas, por terem uma enorme componente mediática e/ou política, já do ponto de vista jurídico considero-as inatacáveis. Duvido, assim, da intenção desta notícia...

Crimes de guerra

Concordo inteiramente com Artur Costa: foram cometidos crimes de guerra na invasão militar do Iraque. Os argumentos eram falsos, os pretextos mentira e as supostas armas de destruição maçiça uma invenção criada para justificar o fim: tomar conta do país e das suas riquezas.
Há pouco tempo li "História da CIA - Um legado de cinzas", de Tim Weiner, um livro que conta a história da agência secreta norte-americana, incluindo a invasão do Iraque, baseando-se em documentos oficiais e entretanto desclassificados. Para além da CIA, que esteve muito mal, quer na análise da situação iraquiana e das reais capacidades de Saddam Hussein, quer nas conclusões apresentadas ao Executivo, indicando uma realidade inexistente e fruto da especulação e de deduções, a própria Administração interpretava os dados apresentados como lhe mais convinha. Recomendo o livro para quem esteja interessado em saber muito do que os EUA e a CIA fizeram em prejuízo da paz mundial.
Mantenho a esperança de que os responsáveis políticos pela invasão ilegal venham, um dia, a serem judicialmente responsabilizados pelas suas decisões. Podem não vir a ser julgados (o que duvido seriamente), mas espero que haja, um dia, um Tribunal a concluir que praticaram um crime de guerra, com as consequências que todos conhecemos.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Decisão acertada

Independentemente da decisão final (Magalhães e Silva, advogado de Lopes da Mota, irá reclamar da suspensão), o procurador não tinha outra alternativa senão demitir-se do Eurojust, pois se há cargo que exige total transparência e não tolera qualquer indício de suspeição (sustentado numa decisão fundamentada) sobre a conduta do seu titular é este.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

O Brasil aqui tão perto

"A braços com casos sucessivos de corrupção, o Brasil tem proporcionado à Imprensa brasileira abundantes manchetes sobre o tema. Na última Veja, mais um escândalo envolvendo políticos é pretexto para uma bela reportagem seguida de um top ten das causas que propiciam actos de corrupção, elaborado a partir de uma consulta feita a várias figuras com idoneidade para se pronunciar sobre a matéria. (...)"

(Teresa Ribeiro)

Cavaco recebe Marinho Pinto


segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Chumbado nome para o Tribunal Constitucional

Esta notícia é apenas mais uma entre muitas que mostram como funciona a política em Portugal. Este estado miserável afecta tudo e todos e, como este caso demonstra, até o poder judicial sai prejudicado por politiquices e manhas rasteiras.

domingo, 13 de dezembro de 2009

sábado, 12 de dezembro de 2009

Leituras

"Involuntariamente, Fernando Negrão denunciou toda a aberração contida no enriquecimento ilícito: é um "pré-crime"!!!Temos pois uma nova figura dogmática em direito penal, cujos contornos vão ser teorizados pelos deputados, sobretudo por economistas e engenheiros. Os resultados serão seguramente esmagadores.Presentemente um frenesim percorre a AR: mostrar serviço no combate à corrupção. Os deputados atropelam-se em iniciativas, qual delas a mais ousada.Ficamos à espera do produto legislativo.E se amanhã algum deles (ou um amigo) for apanhado na engrenagem perversa do "pré-crime" não se queixem..."

(Eduardo Maia Costa, no Sine Die)

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Marosca

O pedido é meramente político e todos nós já percebemos que o PSD anda desesperado. Mas, à beira do precipício (ou do "suicídio", segundo Balsemão), continua a andar em frente, em direcção à morte (política, entenda-se). O mais grave no pedido é que foi subscrito por dois juristas e ex-reponsáveis na Justiça portuguesa. Um foi Ministro da Justiça e outro foi Director da Polícia Judiciária. Se o precedente - grave num Estado de Direito democrático - de contornar a Lei e a Constituição através de uma marosca vinga, no futuro estaremos todos vulneráveis, incluindo aqueles que, por mera conveniência, apostam hoje nesse procedimento. E aí é que será engraçado assistir às suas reacções, provando do próprio veneno...

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Caixa de Pandora

Foi aprovado na generalidade o diploma do PSD que cria o crime de enriquecimento ilícito.
Temo, como já aqui expliquei, que se esteja a abrir a caixa de Pandora. Em vez de evoluir, o País regride e a Democracia sofre uma facada no coração. Veremos, no futuro, se resiste a este ataque...

Nota: estou convicto que o Tribunal Constitucional não irá deixar passar este diploma. Mas como estamos em Portugal, já nada me espanta...

Condução perigosa

Logo pela manhãzinha, quase que fui atropelado por um condutor que, a pelo menos 10 metros da passadeira, viu-me mas não parou. Sempre em frente. Valeu que eu ia com atenção (como de costume, pois já apanhei vários "sustos" como este) e apercebi-me que não ia parar. Aliás, nem abrandou sequer. É tudo nosso e que os outros esperem...
Agora à noite, mais dois sustos. E em duas rotundas. O primeiro, seguia na rotunda quando um maluco qualquer, vindo do IC19, se atirou para a rotunda, apesar de me ver, obrigando-me a travar para evitar o embate. Fiz-lhe sinal de luzes, como que a chamá-lo à atenção, e puxou pelos cavalos para, provavelmente, chegar aos 100 km's em menos de 10 segundos... A mulher ao lado e o bebé no banco de trás certamente vibraram e aplaudiram o novo Colin McRae...
O segundo "susto" da noite, também numa rotunda, a mesma coisa, outro maluco a atirar-se para cima de mim. Desta vez, revoltado, não me fiquei pelos sinais de luzes e buzinei por alguns segundos. Só parei quando ele fez-me sinal como que a pedir desculpa. Pelo menos foi o que percebi. Se calhar até era um manguito, mas já nem quero saber...

Isto tudo para dizer que hoje podia ter sido apenas um daqueles dias, em que se calhar mais valia não ter saído de casa. Mas a verdade é que, cada vez mais, vejo casos destes nas estradas portuguesas. Podem dizer-me que não é só cá, que nos outros país o problema é igual (dizem que em Roma é para esquecer e já vi vídeos na Índia - como este ou este - assustadores), mas considero que existem muitos assassinos na estrada, com carta verde para matar.
O Código Penal preve o crime de condução perigosa, mas o Ministério Público e as autoriades policiais, na maioria das vezes (normalmente, quando há acidentes, que é quando os malucos são apanhados), simplesmente esquecem-se de autuar ou acusar por este crime. Pois deveriam apostar mais vezes, pois é a vida das pessoas que está em causa. E já que os assassinos olham para um automóvel como um brinquedo e não uma arma, pelo menos que o MP, que representa o estado, os recorde do que está em causa...

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

As escutas e a privacidade

Artur Costa, no Sine Die, desenvolve uma longa tese para, no fim, justificar a sua posição: as escutas ao Primeiro-Ministro no processo Face Oculta devem ser conhecidas do público. E, para o efeito, utiliza um novo argumento: se Sócrates nada deve, não deve temer que todos nós conheçamos as suas conversas.
A exposição até está bem explicada e fundamentada (em termos legais). Mas cai, desde o início, num pressuposto errado. Ou melhor, cai no erro de centrar a sua exposição num ponto de vista que cede perante um pressuposto bem mais importante: sendo as escutas nulas, não podem ser publicadas.
Ao contrário do que alega, a questão central não é a privacidade do PM ou do carácter privado das suas conversas, mas sim o Estado de Direito democrático e o princípio da legalidade. Utilizar o resultado de uma ilegalidade seja para o que for (fins políticos, sociais, criminais, etc) é atentar contra o princípio da legalidade e contra uma das mais básicas regras da Democracia. É usar meios ilícitos para atingir os fins pretendidos, é abrir a caixa de Pandora, onde todos os fins justificam todos os meios, sabendo nós onde isso levou ao longo da História...

Uma nota ainda para o velho argumento de que "quem nada deve, nada teme": sendo ilegais, as conversas não devem ser reveladas. O PM até podia revelá-las, por não as temer, mas, no futuro, se o mesmo voltasse a acontecer (neste país, tudo é possível, inclusive realizar escutas ilegais) e, por azar, numa dessas conversas chamasse, por exemplo, "filho da m**" a um adversário político e, por causa disso, não pretendesse revelar o teor da conversa, então a conclusão óbvia e inevitável seria a de que "como deve, teme" divulgá-las. Seria, pois, a desgraça de ponto de vista legal.

sábado, 5 de dezembro de 2009

Prova de crime ou falsificação?

Fontes judiciais alegam que o documento é falso, mas as razões não me convencem, sobretudo a do papel não ser o timbrado da PJ.
É que o problema é que, se for verdadeiro, este documento coloca muita gente em causa e obriga o MP e o JIC a explicarem-se...

Portugueses com opinião negativa dos Magistrados

A sondagem da Eurovisão não engana: a maioria dos portugueses considera a actuação dos Juízes e dos Procuradores do MP como sendo negativa, colocando-os, novamente, abaixo dos políticos, o que não deixa de ser deveras preocupante.
Há muitos factores que levam a esta percepção pública e todos podemos, sem dificuldades, identificar as razões...

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Grande Entrevista


Corrupção para acto lícito e para acto ilícito (2)

O Projecto-Lei do BE ontem aprovado no Parlamento, que acaba com a distinção entre corrupção para acto lícito e corrupção para acto ilícito pode ser consultado aqui.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Corrupção para acto lícito e para acto ilícito

Foi hoje aprovado no Parlamento o Projecto-Lei do Bloco de Esquerda que acaba com a distinção entre corrupção para acto lícito e corrupção para acto ilícito.
Como já aqui escrevi, a propósito da ideia avançada pelo Daniel Oliveira, considero que não faz sentido acabar com tal distinção, pois estamos perante duas realidades distintas, sendo uma delas mais grave do que a outra, merecendo, portanto, uma moldura penal distinta.

O Código Penal prevê os dois crimes nos artigos 372º (corrupção passiva para acto ilícito), 373º (corrupção passiva para acto lícito) e 374º (corrupção activa). Se o acto for ilícito, "contrário aos deveres do cargo", a pena vai de 1 a 8 anos de prisão, enquanto que no segundo caso, vai até 2 anos ou pena de multa. No caso de ser activa, o acto de corromper é punido com pena entre 6 meses e 5 anos (para acto ilícito) ou até 6 meses (para acto lícito).

A legislação diferencia, claramente, as duas realidades. Não faz qualquer sentido punir o autor com a mesma pena, quer o acto praticado seja legal ou ilegal. Se do ponto de vista jurídico, a técnica legislativa é péssima (medíocre, até), já do ponto de vista social pode ser perigoso e até injusto.
Imagine-se que se acabava com as agravações. Muitos dos crimes prevêm penas agravadas, verificadas determinadas circunstâncias, o que se mostra perfeitamente adequado atentendo ao facto de ser necessário estabelecer uma punição extra para certos actos.
Aliás, o fundamento para esta distinção é exactamente a mesma que o próprio BE aplica no seu Projecto-Lei, que estabelece um agravamento caso os autores sejam titulares de cargos políticos. Ou seja, o BE considera justo e adequado punir o autor com uma pena maior se exercer funções políticas (o que se compreende e se aceita) mas já não considera justo e adequado punir um acto que é mais grave pelo facto do seu resultado ser ilícito.

Repito: é uma péssima técnica jurídica e um erro do ponto de vista político e social. Estiveram bem o PS que votou contra e o CDS-PP que se absteve por entender que devem ser ouvidos os operadores judiciários antes de alterar o Código Penal nesta matéria.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Leituras

"O caso "Face oculta" veio revigorar as preocupações gerais com a corrupção e condutas equiparáveis. Todos estão contra evidentemente. E todos se chegam à frente para mostrar serviço nesta cruzada. Uma cruzada em que todos os meios são lícitos. É assim nas cruzadas, sejam do Oriente, sejam do Ocidente. Aconteceu assim no combate às drogas. E no combate ao terrorismo. Agora, no combate à corrupção (embora mais moderadamente, porque os inimigos podem ser nossos amigos...).
É neste quadro que regressam as tentativas de criminalização do enriquecimento ilícito, propostas, mais uma vez, pelo BE e pelo PCP. Em que consiste o tipo legal proposto: simplesmente na obtenção de património ou de rendimentos superiores aos declarados para efeitos fiscais desde que "não resultem de nenhum meio de aquisição lícito" (BE), ou quando os suspeitos "não justifiquem, concretamente, como e quando vieram à sua posse ou não demonstrem satisfatoriamente a sua origemn ilícita".
Ou seja, o crime consuma-se com a mera obtenção dos bens ou rendimentos "anormais", sejam eles ilícitos ou lícitos!!!
Caberá então o suspeito provar que a origem é lícita para não ser condenado. Tudo o que não for lícito é (automaticamente) ilícito!
Esta aberração jurídica viola o princípio da presunção de inocência (ao impor ao suspeito o ónus da prova da licitude da sua conduta) e viola eventualmente o princípio do "non bis in idem", caso a conduta que permitiu a aquisição ilícita tenha sido punida ou esteja a ser perseguida em processo próprio, e ainda o princípio da culpa, caso nada se prove quanto à proveniência dos bens ou rendimentos adquiridos.
Isto para além da dificuldade de densificar os conceitos de "valor manifestamente discrepante" ou "rendimentos anormalmente superiores", que suscitam dúvidas quanto ao respeito pelo princípio da legalidade.
É claro que aos promotores pouco interessam estas dificuldades jurídicas, que não serão mais do que "chinesices" dos juristas, obstáculos "formais" ao "combate necessário" e "imperativo nacional", obstáculos esses que devem ser removidos sem contemplações nem piedade.
E, uma vez legislado, se o for (e espera-se que haja na AR juristas preocupados com a Constituição), os promotores ficarão tranquilos: agora há lei; os tribunais que a cumpram. E se surgirem dificuldades, constitucionais ou meramente práticas, se os resultados não vierem a ser os esperados, a culpa é obviamente dos tribunais (da "justiça", como agora se diz). O que é preciso é mostrar serviço e encontrar culpados, mesmo que os problemas continuem (...)"

(Eduardo Maia Costa, no Sine Die)

Presunção de inocência vs. julgamento público (2)

"Por estes dias, o assunto número um em Espanha é o terrível erro que condenou injustamente um homem inocente a uma vida manchada pela nódoa indelével dos piores crimes que alguém possa imaginar: violação, tortura e assassinato de uma criança. Sem margem para dúvidas, médicos e juízes recuaram nas conclusões precipitadas e deram o dito por não dito. Mas o mal estava feito. Diego, de 24 anos, foi linchado em praça pública por um crime que não cometeu, e nunca mais se livrará deste estigma. Por mais que se repitam os pedidos de desculpa, por maior que seja a indemnização que o seu advogado lhe consiga, subsistirá para sempre a dúvida nos olhos de um qualquer vizinho que tenha crianças em casa e saiba da história. É irreparável o mal que lhe fizeram, porque os seus direitos fundamentais foram liminarmente arrasados em nome do "sagrado" direito à informação. O jornal ABC chegou a fazer uma primeira página inteiramente ocupada com a fotografia do "monstro", cuja legenda era «O olhar do assassino de uma criança de três anos». No mínimo, deveria agora repetir a capa com a legenda «O olhar de um inocente injustiçado", mas não o faz porque isso não vende jornais. Nem sequer o El País, habitualmente mais discreto e prudente, resistiu à condenação prévia. E o que dizer das televisões, expondo à exaustão as imagens da detenção e alimentando a fúria e o ódio do público? Que ao menos este triste exemplo sirva para se repensar o poder irresponsável e voraz da comunicação social. Se errar é humano, há que limitar a dimensão e os efeitos do erro. (...)"

(Ana Vidal, no Delito de Opinião)

Imaginem que era o Presidente e não o Primeiro-Ministro

O Bastonário da OA tocou, em entrevista ontem ao Público, num ponto crucial em relação ao tema das escutas ao Primeiro-Ministro: se fosse com o Presidente e não com o PM, de certeza que muitos do que defendem a legalidade das escutas alegariam a sua nulidade, utilizando os mesmos fundamentos jurídicos que são utilizados por quem considera que as escutas ao PM são nulas.
Infelizmente, anda muita gente equivocada, engano esse causado pela sua cegueira política e pelo ódio pessoal...

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Presunção de inocência vs. julgamento público

Para ler e reflectir.

A razão de sermos um país atrasado

O exemplo que o Fisco dá é péssimo e apenas serve para provar que o nosso país continua muito atrasado em relação ao resto da Europa. Se o Ministro Teixeira dos Santos é um dos melhores de que me recordo, já este comportamento anti-democrático de desrespeitar as decisões dos tribunais e esta posição jurídica em nada credibilizam o Estado e o Governo.
Ah e, claro, quem fica a perder com estes erros somos todos nós, porque esta posição e este incumprimento apenas leva a prejuízos maiores, sobretudo em juros moratórios. Porque se saísse do bolso do Ministro de certeza que seria o primeiro a acatar a decisão dos tribunais...

Continua a guerra


Se Marinho Pinto foi o Bastonário que mais votos obteve na história da Ordem, é também o mais contestado de sempre, sobretudo pelos opositores que não desistem de tentar que abandone o lugar.
E assim vai a OA, numa luta intestina que apenas envergonha a classe e em nada dignifica os protagonistas desta batalha que insiste em durar até às próximas eleições...