quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

As escutas e a privacidade

Artur Costa, no Sine Die, desenvolve uma longa tese para, no fim, justificar a sua posição: as escutas ao Primeiro-Ministro no processo Face Oculta devem ser conhecidas do público. E, para o efeito, utiliza um novo argumento: se Sócrates nada deve, não deve temer que todos nós conheçamos as suas conversas.
A exposição até está bem explicada e fundamentada (em termos legais). Mas cai, desde o início, num pressuposto errado. Ou melhor, cai no erro de centrar a sua exposição num ponto de vista que cede perante um pressuposto bem mais importante: sendo as escutas nulas, não podem ser publicadas.
Ao contrário do que alega, a questão central não é a privacidade do PM ou do carácter privado das suas conversas, mas sim o Estado de Direito democrático e o princípio da legalidade. Utilizar o resultado de uma ilegalidade seja para o que for (fins políticos, sociais, criminais, etc) é atentar contra o princípio da legalidade e contra uma das mais básicas regras da Democracia. É usar meios ilícitos para atingir os fins pretendidos, é abrir a caixa de Pandora, onde todos os fins justificam todos os meios, sabendo nós onde isso levou ao longo da História...

Uma nota ainda para o velho argumento de que "quem nada deve, nada teme": sendo ilegais, as conversas não devem ser reveladas. O PM até podia revelá-las, por não as temer, mas, no futuro, se o mesmo voltasse a acontecer (neste país, tudo é possível, inclusive realizar escutas ilegais) e, por azar, numa dessas conversas chamasse, por exemplo, "filho da m**" a um adversário político e, por causa disso, não pretendesse revelar o teor da conversa, então a conclusão óbvia e inevitável seria a de que "como deve, teme" divulgá-las. Seria, pois, a desgraça de ponto de vista legal.

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