Foi hoje conhecido o relatório do Observatório Permanente da Justiça, que pugna por algumas alterações ao Código de Processo Penal.
Para além das medidas positivas, que constituiem a maioria, são apontados quatro pontos em que a reforma de 2007 falhou: alteração ao regime de segredo de justiça no que respeita ao impacto no combate à criminalidade grave e complexa, detenção fora de flagrante delito, prisão preventiva e medidas que pretendiam conferir ao sistema de justiça penal mais eficiência.
Analisemos, então, as propostas de alteração indicadas no relatório (págs. 26 a 39):
1. Alargamento dos prazos de Inquérito
O Observatório concorda com os actuais limites máximos, que considera adequados, mas defende, porém, a possibilidade de alargamento nos casos de grave e complexa criminalidade.
Concordo com esta proposta, mas com a condição de que o alargamento do prazo deve ser concedido pelo Juíz de Instrução Criminal, a requerimento fundamentado do Ministério Público, pois não pode ficar nas mãos do MP a decisão de alargar os prazos dada a tentação para decretar "especial complexidade" em muitos casos que não o são e apenas para ter mais tempo.
2. Segredo de Justiça
É defendido o alargamento do prazo da manutenção do segredo de justiça (e consequente adiamento do acesso do Arguido aos autos), nos mesmos termos do alargamento do prazo máximo de Inquérito e para os mesmos casos - crimes graves e de especial complexidade.
Concordo, pois, tratando-se de crimes especialmente complexos (criminalidade altamente organizada, por exemplo) há que equilibrar o direito do arguido a ver o seu processo concluído em prazo razoável e o direito à investigação que se encontra, nestes casos, desquilibrado em desfavor da investigação.
3. Detenção fora de flagrante delito
O Observatório defende a possibilidade de detenção fora de flagrante delito nos casos "em que haja perigo eminente da continuação da actividade criminosa".
Aqui já tenho sérias dúvidas, pois, para além de serem casos que se verificam em reduzidíssimo número (os crimes de violência doméstica e os previstos na Lei das Armas já prevêm esta possibilidade), não me parece proporcional. O Observatório fala nos casos em que alguém está prestes a cometer um crime... Peguemos, então, neste exemplo: um indivíduo tem uma faca na mão e dirige-se a outro, dando a entender que o vai matar. Um agente policial antecipa-se e evita o crime. Poderá detê-lo? Sim, mas porque apanhou o indivíduo, em flagrante, a praticar um crime de homicídio na forma tentada. Este caso não se aplica, portanto, ao exemplo dado pelo Observatório. Ou seja, aqueles casos em que não há flagrante - porque é disto que se trata, fora de flagrante delito - devem permanecer inalteráveis, sob pena de abrir uma janela legal a eventuais abusos.
4. Prisão preventiva
Com a reforma de 2007, o furto qualificado deixou de possibilitar a prisão preventiva. Este foi um dos principais erros apontados à alteração do CPP e o Observatório prevê o alargamento da possibilidade de aplicação da prisão preventiva a crimes com pena máxima igual ou inferior a 5 anos de prisão.
São apontadas duas soluções possíveis: voltar ao regime antigo, ou seja, estabelecer a possibilidade de aplicar a prisão preventiva a todos os crimes com pena máxima superior a 3 anos (e não 5), ou alargar o catálogo da al. b) do nº 1 do art.º 202º do CPP, nomeadamente para o furto qualificado.
O Observatório defende a segunda solução, posição essa que subscrevo. Se o furto qualificado pode ser, em abstracto, merecedor de prisão preventiva, já outros crimes, com pena máxima não superior a 5 anos, que já não devem contemplar a medida de coacção mais gravosa.
5. Processo sumário
Esta forma de processo, mais célere, que deve ser empregue nos crimes menos graves e nos casos em que haja flagrante delito, tem sido muito pouco utilizada, ao contrário do que se esperava com a reforma de 2007. O Observatório defende que possa ser alargado o prazo para a realização do julgamento de 48 horas para 15 dias. Actualmente, se não for presente a Tribunal para julgamento em processo sumário, o arguido era libertado (no caso de estar detido) e o processo transitava para processo comum, muito mais moroso, portanto...
Note-se que, caso assim seja requerido pelo Arguido, o julgamento pode ser adiado até ao máximo de 30 dias, de forma a preparar a defesa. Não espantará ninguém, pois, que seja concedida a mesma prorrogativa ao MP, para recolher mais provas, em especial as periciais, que levam, como se sabe, algum tempo.
6. Violação do dever de segredo de justiça
Nesta matéria, o Observatório não apresenta conclusões, por entender que não existem dados, nomeadamente estatísticas relativas aos processos e às condenações por violação de segredo de justiça, suficientes para indicar o que está bem e o que está mal. Todavia, uma das medidas propostas para combater as fugas de informação é a definição de procedimento rígidos que permitam que os processos em segredo sejam efectivamente guardados e que estabeleçam quem tem acesso ao processo e onde deve ser guardado, de modo a poder identificar os responsáveis pelas fugas de informação.
Quem me costuma ler, sabe que tenho sido extremamente crítico no campo da violação de segredo de justiça. E sabe qual é a minha opinião sobre as fugas e sobre a passividade das autoridades competentes para investigar estes casos... Considero, antes de mais, que é uma questão de mentalidade, que mina a vontade de investigar, e de hábitos. Espero que com o tempo as coisas mudem, mas duvido, pois, com a actual mentalidade da Justiça e dos operadores judiciais, não vejo como será possível alterar velhos hábitos e velhos tiques...
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