quinta-feira, 12 de novembro de 2009

O paradoxo (2)

Descobri, entretanto, que Magalhães e Silva desenvolve a sua tese a favor do crime de enriquecimento ilícito no jornal "i".
"O crime de enriquecimento ilícito pode ser formulado nos seguintes termos: é punido com a pena de x anos de prisão o agente público que adquirir bens em manifesta desconformidade com os rendimentos fiscalmente declarados e sem que se conheça outro meio de aquisição lícito. E caberá ao Ministério Público fazer prova de tudo: (i) dos bens adquiridos e seu valor, (ii) dos rendimentos fiscalmente declarados, (iii) da manifesta desconformidade entre uns e outros, (iv) de não ser conhecido outro meio de aquisição lícito. O acusado terá o ónus de provar que, afinal, existe uma causa lícita de aquisição que não era conhecida - herança, bolsa, totoloto, euromilhões.
Ora o ónus de prova, em matéria criminal, sempre se distribuiu assim: a acusação prova o ilícito e a culpa, o acusado os factos que possam excluir uma coisa ou outra - provado o homicídio, é o arguido quem tem de provar a legítima defesa; provado o furto, é o acusado quem tem de provar o estado de necessidade."

Quanto aos requisitos do crime propostos, o problema reside no 4º, em que, para Magalhães e Silva, bastará "não ser conhecido outro meio de aquisição lícito". Ora, salvo melhor opinião, isso não chega. Em matéria criminal, há que provar a culpabilidade, o que se concretiza, neste caso, em provar que a forma de aquisição não é lícita, de que não houve herança, acções valorizadas na Bolsa ou um prémio ganho no totoloto. *
Mas o mais grave vem a seguir...
Acrescenta Magalhães e Silva que "a acusação prova o ilícito e a culpa, o acusado os factos que possam excluir uma coisa ou outra". Como já aqui escrevi, tais palavras só podem ser proferidas por quem não faz Direito Criminal. Estabelece o art.º 31º do Código Penal que "o facto não é punível quando a sua ilicitude for excluída pela ordem jurídica considerada na sua totalidade", nomeadamente por legítima defesa ou estado de necessidade. Ou seja, determinado acto, tipificado como ilícito criminal, é praticado, mas existem certas circunstãncias que determinam que não seja punível, condenável. Ora no caso do eventual crime de enriquecimento ilícito, provando-se que o rendimento foi obtido de forma lícita (totoloto, heranla, etc), nem sequer existe ilícito.
Por outras palavras, no primeiro caso é o MP que tem de provar a ilicitude e o Arguido provar as causas que "desculpabilizam" os factos praticados; no segundo (enriquecimento ilícito), teria de ser o Arguido a provar a licitude do facto (enriquecimento), o que constitui - não há volta a dar-lhe! - uma inversão do ónus da prova.
São, pois, realidades distintas e tal confusão deve-se por falta de prática neste ramo...

Sem comentários: