segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Destruir depois de ler

Não, não me refiro ao filme mas sim à polémica em torno das escutas ao PM. Agora parece que se levanta a questão da falta de legitimidade do Presidente do STJ em mandar destrui-las...
Ouvi há pouco nas notícias o Dr. Paulo Pinto de Albuquerque voltar à carga com a legalidade das escutas a Sócrates. Como parece que ninguém leu a sua opinião no Diário de Notícias do passado dia 20, lá apareceu para as câmaras de televisão.
aqui tinha comentado a sua posição em relação a esta matéria. Mas esmiuçemos, então, os seus novos argumentos:

1) "A competência do presidente do STJ para autorizar e controlar a legalidade de escutas em que intervenha o primeiro-ministro diz apenas respeito a crimes cometidos por ele fora do exercício das funções"
Primeiro, não está em causa um crime cometido pelo PM, mas por Armando Vara. As escutas foram autorizadas no Inquérito em que Vara é suspeito. O PM foi "escutado" por acaso, fortuitamente.
Mais, o artigo 11º, nº2, não distingue crimes praticados no ou fora do exercício de funções. Não tem, portanto, qualquer cabimento estabelecer esta destrinça que não tem correspondência na norma legal.

2) "No tocante à investigação criminal relativa a crimes cometidos pelo primeiro-ministro no exercício de funções, a competência para autorizar e controlar a legalidade de escutas de conversas em que ele intervenha pertence ao juiz da secção criminal do STJ, nos termos do artigo 11.º, n.º 7, do CPP."
Sim, mas não é o caso, pelo que não se aplica o nº7. Esta norma é para os processos intentados contra as 3 figuras mais altas do Estado. No caso em apreço, a escuta ao PM é fortuita, não existe qualquer processo contra o PM. Aplica-se, pois, o nº2, que estabelece a competência do Presidente do STJ.

3) "As escutas só podem ser destruídas no final da investigação, depois de ter sido dada oportunidade aos escutados de se pronunciarem sobre as mesmas, como manda a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem."
Esta regra aplica-se - e bem - quando os escutados estão a ser investigados e as escutas foram autorizadas e realizadas contra aquela pessoa, que está a ser acusada, dando-lhe a possibilidade de tomar conhecimento de todas as escutas, nomeadamente para preparar a sua defesa. Não tem, mais uma vez, cabimento este argumento no caso em análise.

4) "O Ministério Público não só pode como deve tornar públicas as escutas anuladas em que intervenha o primeiro-ministro que sustentaram a indicação dos magistrados de Aveiro. O fundamento legal da divulgação é o disposto no artigo 86.º, n.º 13, alínea b) do CPP. Tendo a função constitucional de dirigir o inquérito, o MP tem também o dever legal de prestar esclarecimentos públicos quando são, como no caso em apreço, absolutamente necessários para restabelecer a verdade e garantir a tranquilidade pública."
Uma coisa é prestar esclarecimentos, outra bem diferente é publicar meios probatórios, presume-se que na íntegra. Aliás, o Conselho Superior de Magistratura irá amanhã prestar esclarecimentos, pelo que amanhã teremos mais informações sobre o caso em concreto. Publicar escutas que são nulas e não têm qualquer força jurídica nestas circunstâncias é precisamente fazer o que muitos pretendem, trazer para a praça pública matéria privada.

Eu sei que o Dr. Pinto de Albuquerque sabe que os seus argumentos não se aplicam a este caso, mas estranho a sua insistência. Efetivamente, não compreendo...

2 comentários:

Anónimo disse...

Só não diz asneira nos 4 pontos porque do ultimo não fala.

Primeiro olhar para a realidade e para os factos depois para as normas ( se existirem)

fazer o contrário é um disparate.

se a realidade e os factos fossem o que descreve não estavamos a discutir este problema. Ele não existia.

Percebeu?

Ricardo Sardo disse...

Caro (a) anónimo (a):

a) escusa de vir com sobrancerias. Esse "percebeu?" é desnecessario, aqui é tudo gente simples;

b) ok, discorda, mas nao apresenta um unico argumento. Dizer que estou errado sem explicar porque e onde, não é argumentar. Agradecia um fundamentozinho que fosse...

c) essa de primeiro olhar para os factos, para a realidade e depois para as normas levou às maiores atrocidades da Historia. Um exemplo, assim de repente: Guantanamo, onde a tortura obteve confissoes e, so agora, se discute a legalidade da tortura, dos metodos utilizados. E tantos outros casos, mesmo em Portugal, no antigo regime, onde isto acontecia.
É isso que defende, primeiro obtem-se os factos e, so depois, certifica-se que os meios de obtençao sao legais? So para ficarmos esclarecidos...

Cumprimentos.