segunda-feira, 16 de novembro de 2009

O verdadeiro atentado ao Estado de Direito

Parece que as suspeitas que incidem sobre Sócrates, nas escutas no processo "Face Oculta", são de crime de atentado ao Estado de Direito. Mas... o que é isto de "atentado ao Estado de Direito"?
A Secção II do Capítulo I do Título V do Código Penal (art.ºs 325º a 335º) tipifica os "crimes contra a realização do Estado de Direito". Mas será, tendo em conta o eventual "tema" das conversas entre Vara e Sócrates especulado pelos media, um eventual crime de tráfico de influência, previsto e punido pelo art.º 335º, que estará em causa. Não deixa de ser curioso, porém, que nos media se tenha falado em "crime contra o Estado de Direito", nome bem mais pomposo e que insinua um ilícito criminal bem mais grave que o tráfico de influência...

A PGR não considerou existirem indícios para, sequer, se averiguar este eventual ilícito. Não deixa, portanto, de ser estranha a dúvida do JIC de Aveiro que considerou existirem suspeitas sobre Sócrates e a expressão utilizada para descrever tal eventual comportamento ilícito...
Não deixa, também, de ser curioso o timing da publicação das escutas. Quer dizer, das escutas no sentido de terem existido conversas entre Vara e Sócrates, pois os temas de tais conversas não se sabe, o que é bastante conveniente para queimar, em lume brando, o PM, o que se repete mais uma vez, depois do Freeport... A verdade, inegável, é que quem se chibou da existência das conversas, não se chibou do seu conteúdo. Porque será? A resposta parece óbvia: o objectivo não é queimar com as conversas (se estas fossem mesmo graves, a esta hora já as teríamos lido nos media) mas com a mera suspeição e especulação sobre o seu teor. É, pois, um déjà vu do processo Freeport e do Belémgate (ou inventona de Belém, que insinuava que o PM escutava o Presidente)...

Sobre mais esta insinuação, com o objectivo claro de tramar um adversário político (a "bomba atómica" - notícia de que o PM escutava o Presidente - rebentou nas próprias mãos dos conspiradores), escreveram Pedro Marques Lopes, João Marcelino, Pedro Adão e Silva ou O Jumento. E todos no mesmo sentido: quem promove, usando, para tal, os media, inquisições nos jornais e na praça pública de políticos (neste caso, é quase sempre o mesmo - coincidência, claro!!) é que atentam ao Estado de Direito, é que colocam em causa e fragilizam a nossa Democracia, é que criam instabilidade nos órgãos de soberania, é que criam um ambiente de desconfiança geral sobre as principais figuras do país, é que destroiem, lentamente, as fundações de Portugal e os pilares do Estado de Direito democrático consagrado na nossa Constituição!

Movidos pela pulhice e pelo ódio e sede de vingança (pelos ataques às regalias, muitas delas injustas e injustificadas, de algumas corporações), esta gente canalha e criminosa é capaz de tudo para levar avante os seus desejos e a sua vontade pessoal, em detrimento do bem colectivo e da Lei que vigora no nosso sistema jurídico. São capazes de abrir as portas a um regime anarquista e à subversão colectiva contra os órgãos de soberania, destruindo o que resta de Portugal. Esta gente já fez com que os portugueses não confiassem ou acreditassem na Justiça, agora querem também que não confiemos em ninguém, no PM ou no Presidente, no Parlamento ou nas polícias, nos políticos ou nos governantes. Esta gente é o cancro da nossa sociedade e devemos, todos nós que queremos um Portugal democrático e justo, combater e correr com estes criminosos daqui para fora, para bem longe, para a Coreio da Norte ou para Cuba, onde encontrarão um regime bem ao seu estilo.

Como escreveu Pedro Adão e Silva, "primeiro aceitamos que a investigação criminal vá assentando cada vez mais em escutas, e aparentemente quase só em escutas; depois toleramos que o seu conteúdo seja plantado na comunicação social; por fim discutimos o teor do que não deveria existir, sem que questionemos o modo com estamos colectivamente a deixar que se minem os alicerces do Estado de direito. Como se não bastasse, admitimos com normalidade que um titular de um órgão de soberania seja, em última análise, alvo de espionagem política durante uns meses. Para culminar, parece ter chegado o dia em que os deputados se juntarão para aprovar uma lei que obrigará de facto o suspeito de um crime a provar a sua inocência, em lugar de obrigar a acusação a provar a sua culpa. Pelo caminho deitámos fora princípios sacrossantos para uma vida em comum numa sociedade decente: o direito à privacidade e a importância das garantias consagradas no processo penal, designadamente a presunção de inocência. Agora toca a quem ocupa transitoriamente o cargo de primeiro-ministro, mas, se não somos intransigentes neste caso, haverá um dia em que poderá passar-se connosco. E nesse dia não teremos a lei do nosso lado, e já não haverá Estado de direito para nos defender. A tudo isto se chama recuo civilizacional. Sabemos, na verdade, como começa, mas temo que saibamos também como vai acabar. Até certa fase podemos ir resistindo, com mais ou menos energia, mas chegará um momento em que teremos de viver recatadamente com a derrota."

2 comentários:

Graza disse...

Excelente Ricardo!

Por mim só está a mais a referência a Cuba, mas atenção, é preciso esclarecer, é injusto causticar Cuba depois da resistência heróica ao bloqueio dos EUA. Só depois daquela nação conseguir a sua liberdade externa que lhe é negada e que todos assistimos sem pestana, talvez porque achemos que seja justa (!...) poderemos falar da sua liberdade interna, do regime e do lider que escolheram. Deixem Cuba existir!. Veremos depois o que dá.

victor rosa de freitas disse...

Lei 34/87

De 16 de Julho

Crimes da responsabilidade dos titulares de cargos políticos


"Artº 9º

"Atentado contra o Estado de direito


"O titular de cargo político que, com flagrante desvio ou abuso das suas funções ou com grave violação dos inerentes deveres, ainda que por meio não violento nem de ameaça de violência, tentar destruir, alterar ou subverter o Estado de direito constitucionalmente estabelecido, nomeadamente os direitos, liberdades e garantias estabelecidos na Constituição da República, na Declaração Universal dos Direitos do Homem e na Convenção Europeia dos Direitos do Homem, será punido com prisão de dois a oito anos, ou de um a quatro anos, se o efeito se não tiver seguido."


Eis onde está previsto o crime de atentado contra o Estado de direito.