quarta-feira, 13 de junho de 2007

José Brás, da DCITE da PJ, em entrevista

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Jornal de Notícias - Os resultados da PJ no combate ao tráfico continuam em "alta". Confirma a percepção que se tem de que Portugal é alvo das grandes organizações de tráfico de drogas?

José Brás - A Península Ibérica, por razões de natureza geográfica, histórica e social, é uma das mais importantes "portas de entrada" da América Latina e da África Ocidental na U.E. Esta incontornável circunstância confere-nos particulares responsabilidades na prevenção e repressão de algumas das mais preocupantes expressões do crime organizado internacional, particularmente dos tráficos, e dentro destes, do narcotráfico, sendo de sublinhar que a Europa é, presentemente, o mercado de drogas ilícitas que maiores aumentos registou nos últimos anos.

Mas a maior parte da droga apreendida não se destina ao consumo interno...
Justamente. Portugal apresenta uma taxa de incidência de consumo de estupefacientes bastante inferior a outros Estados-membros e, - ao contrário da vizinha Espanha, - um mercado de consumo interno pouco significativo no contexto europeu. Somos, porém, um país de trânsito procurado pelo crime organizado para garantir logísticas de transporte, armazenamento e trânsito de drogas. As principais rotas do tráfico internacional de cocaína e haxixe que visam o mercado europeu passam pelo território português.

Daí a criação do CAOCNM. Em que consiste este projecto?
É uma iniciativa de sete Estados-membros da U.E. que pretende pôr em funcionamento um gabinete permanente de partilha e análise conjunta de informação criminal e de coordenação de operações em meio oceânico, relacionadas com tráfico marítimo de estupefacientes.
(...)

O aumento de resultados da PJ no combate ao tráfico deve-se a uma nova estratégia? Para além da cooperação internacional que medidas foram tomadas?
A estratégia prosseguida passa essencialmente pelo cumprimento dos objectivos previstos no Plano Nacional de Luta Contra a Droga e das metas definidas pelo Director Nacional da PJ nos Planos de Acção Anuais. Com este objectivo, ao longo dos últimos anos introduziram-se e consolidaram-se novas dinâmicas e metodologias, particularmente em três eixos fundamentais de intervenção na informação criminal, na cooperação internacional e nas novas técnicas de investigação criminal-meios de prova.

Está a referir-se concretamente às chamadas acções encobertas?
Não só, mas também. Temos de reconhecer que a actividade criminosa das grandes organizações de tráfico reveste grande opacidade e complexidade e a sua investigação é hoje, em todo o mundo, uma tarefa muito difícil. Exige elevados níveis de proactividade, incompatíveis com as chamadas técnicas clássicas de investigação, escoradas em modelos essencialmente reactivos e reconstitutivos. Sendo a acção encoberta (tal como a escuta telefónica e muitos outros procedimentos) um meio de obtenção de prova perfeitamente legítimo, a PJ tem não só o poder como o dever de propor às autoridades judiciárias competentes a sua utilização. Naturalmente de forma equilibrada e proporcional à gravidade e complexidade das ameaças criminais subjacentes.

Trata-se, contudo, de uma técnica muito contestada e que alguns advogados consideram mesmo ilegal porque está muito próxima da provocação ao crime...
As acções encobertas são um meio de obtenção de prova absolutamente legítimo, está previsto no ordenamento jurídico. Admito que se trata de um meio processual pesado, que actua no limite das garantias jurídico-constitucionais. Mas por isso mesmo a lei sujeita a sua aplicabilidade a um regime de rigoroso e permanente controlo por parte do Ministério Público e do juiz de instrução, regime que a PJ cumpre escrupulosamente. O que acontece de forma já recorrente, é que as acções encobertas são efectivamente contestadas, sobretudo por aqueles que, não conseguindo iludir provas que os incriminam na sede própria, que é a sala de audiências do tribunal, procuram nos seus corredores, na praça pública e muitas vezes através de alguma comunicação social, denegrir e pôr em causa o trabalho da PJ e das magistraturas nesta matéria.

Mas admite que as polícias possam cometer erros?
Naturalmente que sim. Mas a percepção dessa eventualidade tem-se a partir do conhecimento e análise de acórdãos transitados em julgado que absolvam arguidos confirmando terem sido vítimas de um agente provocador e nunca a partir de rumores e calúnias.
(...)"

(Jornal de Notícias, 12.6.2007)

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Quais os principais desafios que se colocam à PJ no domínio da luta contra o tráfico de estupefacientes e o crime organizado?
Respeitando a sua própria natureza e matriz histórica, a PJ deve evoluir no sentido da consolidação duma relação de trabalho cada vez mais estreita e profícua com o Ministério Público e com o poder judicial, numa lógica de intervenção marcadamente judiciária e não securitária. Seria desejável a implementação do Sistema Integrado de Informação Criminal (SIIC) a nível nacional, evitando-se a dispersão e perda de informação, a redundância e o desperdício de recursos humanos e financeiros, como acontece presentemente.

Considera a questão da informação criminal muito importante?
Absolutamente. A centralização da informação é um princípio metedológico incontornável na luta contra o crime organizado e por isso o SIIC Global deveria compreender e comprometer todos os OPC, aplicando-se na partilha da informação, o princípio da "necessidade de conhecer" em função das competências de cada um e impedindo-se, com rigor e transparência, a sua utilização para outros fins que não os de natureza criminal e judiciária. A PJ deve avançar no sentido da especialização, do apuramento tecnológico e da cooperação internacional e em termos organizacionais, construir e afirmar o seu próprio modelo."

(Jornal de Notícias, 12.6.2007)

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