domingo, 3 de junho de 2007

Leituras (1)

"A função do Direito Penal e a finalidade das penas estão directamente ligadas à legitimidade do direito de punir do Estado. Quem tem o direito de punir é o Estado, sendo o juiz intérprete e mediador dessa vontade junto da comunidade.
A procura da medida concreta da pena é a tarefa mais difícil e complexa, embora também a mais desafiante, para qualquer juiz do crime. A necessidade da procura da pena justa é uma das questões que desde sempre tem preocupado quem a aplica. Este é sempre um momento de grande tensão e de enorme preocupação face aos dramas humanos que provoca na vida das pessoas.
Alguém tem de desempenhar esta árdua tarefa. O Estado confiou-a aos juízes por exercerem um poder soberano, isento, imparcial e independente. Cada vez que vivo este tempo perco um pedaço de mim. A pena visa a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do ‘pecador’ na sociedade, não podendo ultrapassar a medida da culpa. Este é o cunho humanista do nosso Direito Criminal. O cidadão pode dormir descansado porque a maioria dos juízes tem essa consciência e esforça-se, de forma empenhada, por aplicar penas justas, adequadas e proporcionais. Ninguém decide de forma arbitrária. Podemos às vezes, enquanto humanos, falhar tecnicamente, mas nunca por sermos desonestos. A honestidade no exercício da profissão é a nossa mais-valia. Ainda que se perceba que, na dialéctica da Justiça, uma decisão judicial agrade a uns e desagrade a outros, é um ónus que temos de transportar na nossa bagagem.
Haver decisões que graduem a pena de forma diferente não traz mal ao Mundo, conquanto sejam devidamente fundamentadas para que o cidadão compreenda a sua lógica. A Justiça tem de se adaptar à pressão mediática e aos novos desafios que hoje enfrenta. É pena que os media só despertem para as falhas da Justiça e não divulguem, com a mesma vontade, o tanto que de bom é feito. Como dizia Montesquieu, toda a pena que não derive de absoluta necessidade é tirânica. O sistema jurídico-penal tem de dar um sinal inequívoco de segurança e de confiança, tem de criar em geral um sentimento dissuasor da prática de futuros crimes.

ABUSO SEXUAL DE MENORES

Assiste-se hoje, com uma frequência alarmante, ao autêntico escárnio dos mais nobres sentimentos das crianças indefesas, transformadas sem escrúpulos em meros instrumentos de satisfação libidinosa.
Crianças que são vítimas de actuações cobardes, por gente que não merece o ar que respira. Até aos 14 anos a lei penal oferece uma protecção absoluta aos menores no que concerne ao seu desenvolvimento e crescimento sexuais. A lei não distingue as idades até aos 14 anos para efeitos de atenuação da pena. Logo, se o legislador não distingue, não compete ao intérprete da norma fazê-lo. Ela protege a castidade e a virgindade do menor. Para mim até aos 14 anos todos os menores vítimas deste brutal acto merecem igual protecção penal, devendo os criminosos ser tratados com mão firme.
Os abusos sexuais prejudicam a autodeterminação sexual e afectam o livre desenvolvimento da personalidade da criança. É arrepiante ouvir dizer, nos media, que o menor abusado teve prazer e que ninguém tem ejaculações à força.
Estas afirmações vão ao arrepio do que nos ensinam as ciências médicas. É preciso distinguir as funções mecânicas das funções psicológicas. Prazer com violência psicológica gera angústia e depressão na vítima. O prazer não afasta a brutalidade do abuso sexual. Não se deve confundir manifestação fisiológica de prazer com a emoção do sentimento do prazer. Trata-se de uma tentativa de homicídio psicológico que mata uma parte muito íntima da criança, seja ela um menor de cinco, seis ou 13 anos."

(Dr. Rui Rangel, in Correio da Manhã)

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