sexta-feira, 1 de junho de 2007

Saldanha Sanches em entrevista

"Sem ilusões, Saldanha Sanches, 63 anos, professor da Faculdade de Direito de Lisboa, pensa que o aparelho do PS não deve gostar muito dele. Mas logo o sossega: «Atenção, a minha colaboração com o dr. António Costa vai acabar no dia 15 de Julho.» O cabeça-de-lista do PS nas eleições intercalares para a a Câmara Municipal de Lisboa foi lesto a convidar Saldanha Sanches para a sua equipa. Quando Helena Roseta telefonou ao cronista televisivo e de Imprensa, que não perde uma oportunidade para denunciar a corrupção, designadamente nas autarquias locais, já ele era mandatário financeiro da campanha de Costa. Saldanha Sanches, casado com a directora do Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Lisboa, Maria José Morgado, lamenta a falta de resposta da máquina judicial ao fenómeno da corrupção. E diz: «Nas autarquias da província, há casos frequentíssimos de captura do Ministério Público pela estrutura autárquica.»
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Que pessoas ou circunstâncias o levaram a dar a cara por uma candidatura?
A circunstância foi Lisboa. A pessoa é António Costa. Lisboa chegou a um grau de degradação, corrupção aberta, ostensiva, pública, que parecia impossível atingir. E António Costa tem uma posição clara a esse respeito.
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Concorda com a responsabilização criminal dos mandatários financeiros?
Concordo. Há uma responsabilidade. Eles devem portar-se de acordo com a lei. E se violarem a lei, devem responder. A lei é igual para todos.

Em que medida o controlo e a transparência do financiamento das campanhas podem desencorajar a corrupção activa e passiva, nos municípios?
As campanhas são o princípio de tudo. Os compromissos começam nas campanhas. As corrupções começam nas campanhas. É necessário que a própria campanha seja limpa, para assim dar um sinal ao mercado de que também a gestão futura vai ser limpa e feita de acordo com as regras. Foi isto que António Costa procurou fazer, acho eu, quando me convidou.
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Tem denunciado a corrupção nas autarquias locais, nas suas tribunas mediáticas. Como é que autarquias e autarcas e a opinião pública têm reagido às suas palavras?
A opinião pública bem, os autarcas muito mal, como era de esperar. Aliás, o dr. Fernando Ruas não quer encarar o facto de as autarquias estarem minadas pela corrupção. Ele lá saberá porquê. Mas a corrupção é um problema político. Tem que ser encarado, tem que ser tratado e tem que ser enfrentado. E é essencial enfrentá-lo e tratá-lo para reduzir o gasto público.

Justifica-se uma suspeição generalizada de corrupção em relação aos autarcas e às autarquias locais?
Suspeição generalizada não quer dizer nada. O que nós sabemos é que há inúmeros casos de corrupção nas autarquias e todos os dias vemos coisas aterradoras. Porquê? Porque os tribunais não cumprem o seu dever. E não cumprem o seu dever porque grande parte dos casos que são patentes e presentes só se devem à inércia da máquina judicial.
(...)

As suas denúncias genéricas da corrupção nas autarquias já conduziram a resultados concretos?
A minha batalha é na opinião pública. Quem faz prova são os magistrados. Os juízes é que as julgam. Na opinião pública, denuncia-se aquilo que está mal e procuram-se remédios para o que está mal. Apenas isso. Não há que procurar provas, há que travar um debate político e público.

Porque é que a máquina judicial não responde?
Por exemplo, nas autarquias da província há casos frequentíssimos de captura do Ministério Público pela estrutura autárquica. Há ali uma relação de amizade e de cumplicidade, no aspecto bom e mau do termo, que põe em causa a independência judicial.
(...)

O Presidente da República e o ex-deputado João Cravinho trouxeram para a agenda a luta anticorrupção. Apesar disso, há razões para recear que continue tudo na mesma ou quase?
Tudo depende dos tribunais. Se os tribunais cumprirem a sua função e se forem tomadas medidas que tornem a lei menos vulnerável, a corrupção vai diminuir. Se isso não acontecer, se a opinião pública se desmobilizar, se os tribunais não cumprirem a sua função, aí, evidentemente, qualquer dia vamos ter uma corrupção de tipo angolano. Já não estamos tão longe como isso. As cleptocracias não têm que ser africanas. Podemos ter cleptocracias lusíadas, cá instaladas, com o mesmo grau de ineficiência e o mesmo grau de corrupção.

Qual foi o pior período da corrupção?
Na minha opinião, foi quando esteve a dra. Celeste Cardona no Ministério da Justiça.

Porquê?
Acho que coincidiu. Não tenho explicação objectiva para isso nem consigo provar nada.

Mas...
Pelo ambiente, pelos sinais e pela postura, penso que criou uma situação em que não havia os sinais dissuasores da corrupção que caracterizam um Estado que está a funcionar.
(...)

Concorda com o guia explicativo sobre a corrupção, do Ministério da Justiça, quando diz que é dever legal do funcionário denunciar qualquer situação de corrupção?
Concordo, mas é necessário dar aos privados uma possibilidade de denunciarem a corrupção pública. Por exemplo, o empresário que é alvo de tentativa de suborno devia poder documentar o suborno e denunciá-lo, sem qualquer risco legal. Mais. Quem está a pagar subornos ao Estado, deveria ter a possibilidade de cooperar com a Justiça, denunciar esses pagamentos e ficar isento de qualquer culpa. Há que criar condições para que o cidadão possa denunciar os corruptos que estão anichados na máquina do Estado e com isso erradicar a corrupção que hoje o atinge e, por vezes, atinge a marca da completa extorsão.
(...)"

(Visão)


"O Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP) considerou hoje "gravíssimas" as declarações do fiscalista Saldanha Sanches sobre a "cumplicidade" existente entre as autarquias de província e o MP e pediu a intervenção do Procurador-Geral da República. (...)
Em declarações à agência Lusa, o secretário-geral do Sindicato referiu que as acusações do fiscalista "levantam gravíssimas suspeitas sobre os procuradores do Ministério Público da província", mas também "atingem todos os magistrados".
No entender do SMMP, tais declarações "lançam um injusto e intolerável clima de suspeição sobre a generalidade da magistratura do Ministério Público que, imperativamente, terá de ser dissipado".
"É um assunto demasiado grave para se poderem fazer acusações naqueles termos sem elementos que as sustentem", disse João Palma.
O SMMP pediu ao presidente do Conselho Superior do MP, cargo exercido por inerência pelo procurador-geral da República, que "averigue e apure eventuais responsabilidades e que, caso as afirmações sejam sustentadas, que haja em conformidade com os indícios recolhidos".
"Julgo que o Dr. Saldanha Sanches tem elementos para sustentar as suas afirmações e esses indícios devem ser averiguados", frisou."

(Sapo notícias)

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