sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Leituras

1. "No ano passado, mais ou menos por esta altura, o país foi posto a ferro e fogo pelos criminosos, o país assistiu a uma vaga de assaltos nunca vista, os criminosos era presos pelos polícias e generosamente libertados. A culpa era, diziam os magistrados do Ministério Público, do ministro da Justiça que tinha alterado a lei penal de tal foram que era quase impossível manter um criminoso preso. O país assistiu incrédulo á libertação de criminosos que na véspera tinha sido apanhados a cometer crimes graves, os criminosos andaram em roda solta.
Este ano nada disso sucedeu, porquê? A acreditar nos argumentos então defendidos pelos magistrados do Ministério Público, com os seus sindicalistas à cabeça, apontavam a culpa para o ministro da Justiça, a vaga de crimes foi usada pelos magistrados para se oporem à reforma da lei penal.
Se o país voltou à normalidade ou a lei voltou a ser alterada ou a culpa do que se passou não foi da reforma. Como a lei não sofreu alterações a conclusão é óbvia. Assim, os magistrados do Ministério Público devem assumir as responsabilidade por aquilo a que o país assistiu, pela morte de portugueses, pelos roubos e pela violência exercida por muitos portugueses cometida por criminosos que ajudaram a manter em liberdade.
Só que os senhores sindicalistas do Ministério Público ou são cobardes ou estão de férias, andam calados que nem uns ratos."

(O Jumento, sem link directo)


2. "Zangada. Se me pedissem para caracterizar, numa só palavra, a Justiça portuguesa, seria esta a minha opção. Temos uma Justiça zangada, reflexo do estado de espírito dos seus operadores – amuados e contrariados e egoístas. As duas magistraturas – que continuam a entrar na sala de audiências pela mesma porta – resistem a quase tudo o que é mudança. Os advogados, injustamente reduzidos ao bastonário que os pretende representar, perdem demasiado tempo em lutas intestinas. Alguns oficiais de justiça persistem numa espécie de greve de zelo. A maior parte dos solicitadores de execução ainda não entendeu que papel lhes está atribuído. E assim, salvo dignas excepções, temos todos contra todos e, dentro de cada grupo de influência, todos contra todos também. No interior desta Justiça, estrutura e conjuntura não se distinguem, porque umbilicalmente ligadas. Esta a razão da Justiça dos tempos que correm, na qual, por paradoxo, radica a sua tão propalada falta de razão.
E eis que aparece o cidadão, também ele zangado, à procura de Justiça. E a zanga do litigante, natural – ou não viesse ele litigar –, encontra essa Justiça virada para dentro de interesses corporativos e com muito pouca disposição e tempo para aturar quem a ela recorre. Em suma, a Justiça perdeu o fio à meada, esqueceu-se de se fazer a si própria, inconsciente dos seus fins últimos.
Atento o cenário, pareceria ser de exigir uma reconciliação prévia do sistema. O problema é que tal reconciliação não é praticável, motivo pelo qual os sucessivos Governos vinham fracassando. E assim, mais que reformar, é essencial revolucionar – diferente de rasgar –, impondo um paradigma de autoridade.
É pois necessário, em vista de alguns egos desmesurados, invadir vontades – intrincada operação que o actual Governo, apesar de algumas cedências que descambaram em reformas precipitadas, encetou. O melhor exemplo que se pode dar deste modelo de acção é a desmaterialização dos processos nos tribunais judiciais, assente no projecto CITIUS, que engloba aplicações informáticas para os operadores judiciais, assim se reconhecendo, aliás, a indispensabilidade destes. Primeiro estranhou-se mas, com o tempo, vai entranhar-se. Assim se resista aos pedidos de suspensão para mais estudos.
Por se ter agora – só agora – contra pressões e amuos, começado a trilhar o caminho certo, insistindo-se em projectos – essenciais – que mudaram a forma da Justiça comunicar entre si e com o exterior, não podemos pensar em recomeçar. Rasgar e reconsiderar equivaleriam, ponderada a velocidade dos tempos, à falência definitiva da Justiça."

(Rogério da Costa Pereira)

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