terça-feira, 6 de outubro de 2009

Marinho Pinto dixit

Excertos da entrevista do Bastonário da OA ao "i":


"(...) Propôs também alterações no exercício da advocacia por deputados. Porquê?
Um advogado que vá para o governo, para presidente da Câmara ou para director-geral suspende a advocacia. Um deputado que vá para o Parlamento por maioria de razão deve suspender, porque vai fazer leis que podem ser do interesse directo de alguns dos seus clientes.

Acha que um diploma nesse sentido será aprovado na Assembleia, onde muitos deputados estão nessas condições?
Acho. Se os deputados o não quiserem fazer, assumam as suas responsabilidades. Eu não actuo de acordo com o êxito das coisas, mas de acordo com a minha consciência, com valores e princípios. Perdi muitas batalhas na minha vida. Esta poderá ser ganha ou perdida. Se for perdida, atrasa uma reforma que é inevitável. Em Espanha os deputados são em dedicação exclusiva. Funções de soberania não podem ser exercidas em part time e não é legítimo arredondar os vencimentos dessa função com actividades privadas que possam estar em conflito.

Têm sido mais frequentes buscas a escritórios de advogados. Há uma mudança de atitude do poder judicial com os advogados?
A facilidade e a leviandade com que os magistrados fazem buscas em Portugal aos escritórios de advogados é aterradora. Isto levanta as piores suspeitas. Um advogado deve ser alvo de buscas quando participa na prática de um crime. Aí deve responder como qualquer cidadão. Agora a um advogado que auxilia uma pessoa suspeita de um crime a defender-se em juízo, devem respeitar-se as imunidades. Não pode vasculhar-se a correspondência com o seu cliente. Não pode fazer-se escutas. Isto é um princípio sagrado em qualquer democracia. As piores ditaduras é que actuam como estão a actuar os magistrados hoje em Portugal. Isto era o que fazia a PIDE antes do 25 de Abril. Com este fundamentalismo justiceiro, qualquer dia estão a colocar microfones nos confessionários, porque para estes arautos vale tudo para investigação criminal.

Mas não são suficientes as garantias legais? As buscas a advogados são rodeadas de requisitos e acompanhadas.
Não há garantias, porque mesmo quando os documentos são selados tudo depende depois da apreciação que uma pessoa fizer, neste caso o presidente da Relação. Quando a lei devia ser clara. Se um advogado é suspeito, constituam-no arguido e façam buscas ao escritório e a casa. Não havendo indícios, vão lá para quê? Normalmente isto acontece quando se investiga para a comunicação social. Tem de se apresentar resultados e manchetes. Não foi por acaso que quando os investigadores chegaram à sociedade Vieira de Almeida [na semana passada], os jornalistas já lá estavam. Os investigadores deviam esclarecer rapidamente quem convidou os jornalistas. Isto é vedetismo mediático de alguns magistrados. (...)

Não tem fé na justiça?
Tenho muita desconfiança nos processos que nascem nos jornais. Isso é espectáculo, não é investigação. Não conduz a nada. Transmite a ideia de que estão a fazer, mas não estão a fazer nada de útil contra a criminalidade. Hoje a investigação criminal está mediatizada em Portugal.

E de quem é a responsabilidade? Da comunicação social?
Não, a comunicação social cumpre o seu papel. Mal, mas vai cumprindo e eu prefiro a comunicação social assim do que calada. É de quem tinha responsabilidade de fazer respeitar o segredo de justiça e não faz. (...)

Está em formação um novo governo. Quem seria o ministro da justiça ideal?
Em Portugal quem tem a pasta da Justiça é um ministro de papel, de palha. Não manda nada. Os procuradores são independentes, fazem o que querem; os juízes são independentes, fazem o que querem. As políticas de justiça não são definidas pelo ministro, são executadas por ele em parte muito pequena. Deviam ser mais definidas no Parlamento e pelo governo, mas têm sido definidas em função dos interesses dos agentes da justiça. O ministro ideal era aquele que aparecesse a executar políticas dirigidas aos interesses dos cidadãos e empresas.

O governo já anunciou correcções à reforma penal. Considera que são necessárias?
A reforma penal foi positiva e nos aspectos em que não funcionou bem foi por ser sabotada por parte de alguns sectores das magistraturas. Se a lei estabelece prazos para as partes e os advogados cumprirem e perdem os seus direitos se não os cumprirem, os magistrados que não cumprem deveriam ser punidos ou pelo menos averiguadas as razões pelas quais não cumpriram. A lei é draconiana para as pessoas e para os magistrados é o que eles quiserem, porque eles é que a interpretam. A reforma penal tentou incutir um espírito de maior responsabilidade, mas os magistrados querem ter todo o tempo do mundo.

Depois do seu artigo na Ordem, sobre o início do processo Freeport, sente que ficou mais conotado com José Sócrates?
Nunca fui do Partido Socialista e não devo rigorosamente nada ao PS.

Mas em processos mediáticos como este qualquer tomada de posição não tem esse risco de ser lida politicamente?
Eu guio-me pela minha consciência e não pelas opiniões dos outros sobre mim. Por isso se calhar é que sou polémico. Eu fui visitar à cadeia, quando estava em prisão preventiva, o líder de extrema-direita acusado de racismo. Também pode dizer que sou apoiante do partido dele. Não me importo. Esse tipo de coisas não me desmobiliza. Aquele artigo foi uma denúncia, com factos, sobre o nascimento de um processo que deveria envergonhar a justiça portuguesa e que está aí, há vários anos, unicamente com uma função: tentar dificultar a vida a um dirigente partidário. Com base numa carta sem um único facto o Ministério Público abriu um processo para fritar em lume brando um dirigente partidário.

O Ministério Público agiu por razões instrumentais?
O Ministério Público há muitos anos está em guerra civil com o próprio Estado e com todos os governos. Desde que não lhes aumentem os privilégios, estão em guerra permanente.

Tem-se falado em governamentalização, mas acha então que há o inverso?
Desde o tempo de Sá Carneiro que nunca um primeiro-ministro foi tão atacado nos tribunais e na imprensa. A posição que tomei foi em defesa do Estado de direito. Eu tenho vergonha que no meu país nasçam processos assim, seja contra quem for, e que ao fim de seis anos continuem a alimentar certa comunicação social. É essa promiscuidade que denuncio, de processos que nascem para os jornais e de notícias que nascem para certos processos. (...)"

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