"A diferença abissal entre as duas organizações – Polícia Judiciária e Ministério Público – ficou bem patente no chamado caso do Striptease. A sala, no centro de congressos de Aveiro, era enorme. Deviam estar aí umas trezentas pessoas a jantar. A rapariga apercebeu-se rapidamente que não tinha nenhum sítio que lhe servisse de palco. Para aquela actuação, tinha escolhido a lingerie roxa – um top de cetim e um body de renda. Levava umas botas pretas, até ao joelho, com salto alto e cinto de ligas preto. As nádegas ficavam bem á vista. Dirigiu-se então para a mesa de honra, onde havia um grande ramo de flores. Era certamente ali, pensou ela, que estariam os convidados principais. Acertou. O estado maior da polícia – incluindo o novo director, um procurador-geral adjunto que acabara de tomar posse – bem como alguns VIP do Ministério Público, estavam ali para homenagear um veterano da Judiciária, que se ia reformar. Este, mal viu a rapariga, sorriu com a surpresa que os colegas lhe tinham preparado. Sempre frequentou o bas fonds por isso estava habituado àquilo. A stripper começa o show. O tampo dava, à vontade, para dançar. Estavam todos a rir, de cigarro na mão, quando alguém se levantou. Os outros agarram nos casacos que estavam pendurados nas costas da cadeira, seguem-no e saem todos da mesa, com um ar ofendido. O espectáculo acabou logo ali. A artista desapareceu e ninguém lhe pôs mais a vista em cima.
No dia seguinte, o caso apareceu nos jornais: “Escândalo abala estado-maior da PJ”, em letras garrafais. “Foi uma ratoeira ao novo director”, diziam uns. “É por ele ser um homem de mão do Ministério Público”, diziam outros. “Só saíram dali quando se aperceberam de que havia fotógrafos e iam aparecer nos jornais!”, comentava-se pelos corredores da polícia. Inicou-se então uma “mega-investigação” policial. Em cinco dias teria de estar tudo esclarecido. Primeiro foi a caça à stripper. A “bomba” que apareceu nas fotografias, cheia de erotismo, afinal só pesava quarenta e cinco quilos e media um metro e meio. A rapariga foi enfiada num carro e sujeita, durante horas, a um interrogatório cerrado. Tinha dezanove anos, trabalhara num hotel onde ganhava pouco e decidira por isso meter-se no striptease. “Pediram-me para actuar, ainda por cima de borla e acabaram por me meter numa confusão destas com a qual não tenho nada a ver…”
Depois, conseguiram apreender um vídeo-amador, onde se viam alguns directores – os tais da mesa de honra -, a aplaudir e a atirar piropos à rapariga, antes da debandada geral. Por fim, interrogaram o organizador da festa, um pacato polícia que estava à beira da reforma. Tinha contratado um ventríloquo, um fadista e a stripper era cereja em cima do bolo. Ainda pensaram em processo disciplinar, mas a coisa ficou por ali.
Viraram-se então para os repórteres. Supostamente, teriam sido os jornalistas que sugeriram à stripper que subisse para cima da mesa dos directores. Porém, uma jornalista – a que publicou as fotos – estampou tudo num editorial. “Não tenho pretensões de imitar os ‘grandes repórteres de investigação’, mas tive a sorte de estar no sítio certo à hora certa. Outros estavam lá e portaram-se muito mal. Houve quem visse, que fotografasse e quem escrevesse que nada se passou. Houve mesmo quem visse e depois insinuasse cobardemente que aquilo que se viu não foi o que se passou. Agora digo eu: houve negociatas e pressões. Alguma comunicação social assustou-se e deixou-se seduzir. Os “bem comportados” vão receber rebuçados. Por isso, atenção políticos: aprestem-se a regularizar os impostos; atenção traficantes de droga: exilem-se para países onde não haja acordos de extradição; atenção adúlteros proeminentes: voltem para as vossas mulheres. É que dentro de poucas semanas vão começar a aparecer notícias que “parecem bem”, notícias escaldantes em alguma comunicação social, fruto do laborioso trabalho de alguns “grandes repórteres de investigação”. Quanto a eles, que eu vejo de queixos enfiados em pratos de lentilhas, desejo-lhes continuação de muito bom apetite.”
No dia seguinte, o caso apareceu nos jornais: “Escândalo abala estado-maior da PJ”, em letras garrafais. “Foi uma ratoeira ao novo director”, diziam uns. “É por ele ser um homem de mão do Ministério Público”, diziam outros. “Só saíram dali quando se aperceberam de que havia fotógrafos e iam aparecer nos jornais!”, comentava-se pelos corredores da polícia. Inicou-se então uma “mega-investigação” policial. Em cinco dias teria de estar tudo esclarecido. Primeiro foi a caça à stripper. A “bomba” que apareceu nas fotografias, cheia de erotismo, afinal só pesava quarenta e cinco quilos e media um metro e meio. A rapariga foi enfiada num carro e sujeita, durante horas, a um interrogatório cerrado. Tinha dezanove anos, trabalhara num hotel onde ganhava pouco e decidira por isso meter-se no striptease. “Pediram-me para actuar, ainda por cima de borla e acabaram por me meter numa confusão destas com a qual não tenho nada a ver…”
Depois, conseguiram apreender um vídeo-amador, onde se viam alguns directores – os tais da mesa de honra -, a aplaudir e a atirar piropos à rapariga, antes da debandada geral. Por fim, interrogaram o organizador da festa, um pacato polícia que estava à beira da reforma. Tinha contratado um ventríloquo, um fadista e a stripper era cereja em cima do bolo. Ainda pensaram em processo disciplinar, mas a coisa ficou por ali.
Viraram-se então para os repórteres. Supostamente, teriam sido os jornalistas que sugeriram à stripper que subisse para cima da mesa dos directores. Porém, uma jornalista – a que publicou as fotos – estampou tudo num editorial. “Não tenho pretensões de imitar os ‘grandes repórteres de investigação’, mas tive a sorte de estar no sítio certo à hora certa. Outros estavam lá e portaram-se muito mal. Houve quem visse, que fotografasse e quem escrevesse que nada se passou. Houve mesmo quem visse e depois insinuasse cobardemente que aquilo que se viu não foi o que se passou. Agora digo eu: houve negociatas e pressões. Alguma comunicação social assustou-se e deixou-se seduzir. Os “bem comportados” vão receber rebuçados. Por isso, atenção políticos: aprestem-se a regularizar os impostos; atenção traficantes de droga: exilem-se para países onde não haja acordos de extradição; atenção adúlteros proeminentes: voltem para as vossas mulheres. É que dentro de poucas semanas vão começar a aparecer notícias que “parecem bem”, notícias escaldantes em alguma comunicação social, fruto do laborioso trabalho de alguns “grandes repórteres de investigação”. Quanto a eles, que eu vejo de queixos enfiados em pratos de lentilhas, desejo-lhes continuação de muito bom apetite.”
O Caso deu-se por encerrado. Mas o editorial é bem revelador da teia de cumplicidades – e tráfico de informação – que existe entre a imprensa, a polícia e o Ministério Público."
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