quinta-feira, 8 de março de 2007

Tribunal usa "buraco na lei"

"OTribunal da Relação de Lisboa ordenou que a Portugal Telecom fornecesse dados de tráfego da internet, não autorizados pela lei. Os desembargadores Rui Rangel, Almeida Cabral e João Carrola entendem que não é "porque não existe lei" que "um qualquer crime" pode ficar "por investigar". E dizem que a investigação do caso se sobrepõe ao dever de sigilo a que está obrigada a empresa de telecomunicações.
Em causa está a investigação da eventual prática de um crime de "acesso ilegítimo a sistema ou rede informáticos". O Ministério Público (MP) queria que a PT informasse qual a conta de acesso, ponto de acesso e número de horas facturadas à conta da internet do queixoso e, assim, descobrir quem entrou na sua conta, usou os seus códigos e o lesou. Socorrendo-se da lei de protecção de dados pessoais e do Código de Processo Penal (CPP), a empresa rejeitou o pedido.
O MP requereu ao juiz que notificasse a telefónica e a obrigasse a facultar tais dados, no prazo de dez dias, alegando que, sem os mesmos, não poderia prosseguir a investigação. Mas o juiz, evocando igualmente a lei, recusou. Os argumentos foram a natureza do crime, a moldura penal aplicável (prisão até um ano ou multa até 120 dias) e o facto das empresas que oferecem serviços de comunicações estarem obrigadas à protecção dos dados pessoais e ao sigilo.
Lembra ainda que o legislador nada prevê para aquele tipo de crime e lamenta que a alteração prevista na reforma Penal também não o preveja. O acesso a dados e conteúdos de comunicações telefónicas e electrónicas só pode ser feito quando estão em causa crimes de maior gravidade, como o terrorismo, tráfico de droga, etc.
O MP recorreu para a Relação e, num acórdão já publicado, os desembargadores contrariam a tese da colega da primeira instância, lembrando, em primeiro lugar, que, "estando-se no âmbito do processo penal, as lacunas, a existirem", devem ser superadas, "mal se compreendendo que um qualquer crime fique por investigar só porque não existe lei que essa mesma investigação concretamente preveja".
Por outro lado, defendem que o CPP não prevê acesso de dados de tráfego para este tipo de crime, porque, na altura da sua feitura, ainda não havia internet. "Entretanto, surgindo a agora chamada 'auto-estrada da informação', é para nós incontroverso que os crimes praticados no seu âmbito, como aquele que aqui está em causa, não podendo deixar de ser perseguidos e punidos, haverão de encontrar também a sua disciplina". E encontram, segundo os desembargadores, quando o artigo 190 do Código de Processo Penal, que alarga o previsto para as escutas e intercepções telefónicas, às comunicações via internet, utiliza a palavra "designadamente" e prevê "outras formas de transmissão de dados".
Por fim, mas não menos importante, os juízes sublinham que quando "superiores interesses o justifiquem", o dever de sigilo "poderá e deverá ser quebrado". A PT será, assim, novamente instada a revelar os dados pedidos, podendo incorrer num crime de desobediência se recusar."

in Jornal de Notícias

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