sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Os homens do Presidente

Cruzei-me com o Dr. Paulo Pinto de Albuquerque quando presidia ao Colectivo da então 3ª Secção da 8ª Vara Criminal de Lisboa. Apesar das dores de cabeças permanentes por ter que "aturar" o Dr. Ricardo Cardoso (conhecido como "o Juíz do lencinho"), sempre deu tudo a cada processo e sempre colocou o seu brilhantismo ao serviço da Justiça e do sistema penal português. Retirou-se da Magistratura, mas não do Ensino e da escrita, tendo publicado já vários livros na área do Direito Penal. E hoje, ao ler a sua crónica no Diário de Notícias, questiono-me se terá sido mesmo o Dr. Paulo Pinto de Albuquerque a escrever o texto...
Tenho esta dúvida pois esperava que, como Juíz e jurista especializado em Direito Penal, nunca assumisse uma mera suspeita (que mais parece uma intriga de uma novela mexicana) como certa, como provada. Eu bem sei que há quem pense que não interessa se houve escutas do Governo à Presidência da República, mas antes de as pessoas acham que sim, mas para um jurista uma assumpção destas cai sempre mal.

Tudo começou com dois elementos do PS a acusarem o PSD de colaborar com assessores do Presidente na elaboração do programa eleitoral do partido. Um jornal, citando uma "fonte anónima de Belém", revela que essa mesma fonte coloca a hipótese de a Presidência estar a ser escutada, pois não compreendia como é que se tinha sabido de tal colaboração. Note-se que não passa de uma hipótese avançada pela tal "fonte", mas o Dr. Pinto de Albuquerque assumiu como sendo real...
Acontece que, tal notícia (de que assessores de Belém colaboravam na elaboração do programa do PSD) já tinha sido veiculada pelo Semanário no dia 7 deste mês e até o próprio site de campanha do PSD lhe fazia referência. Ou seja, não eram necessárias escutas para se saber, bastava ler o jornal ou passar pelo site Polítca de Verdade, o que praticamente desmente a tal "fonte anónima de Belém".

Voltando à opinião do Dr. Pinto de Albuquerque, este deixa duas notas importantes, a saber:
1) a vigilância de assessores do Chefe de Estado (ou do próprio Presidente) por parte de elementos do Governo constitui ilícito criminal, para além de uma quebra das relações institucionais entre os dois órgãos de soberania;
2) o Primeiro-Ministro, como chefe máximo do Governo, deve assumir os actos dos membros do seu Governo.
A primeira nota remete para a suposta vigilância que, a ter acontecido, terá que ser investigada por quem de direito (PGR) após a Presidência manifestar essa intenção, o que ainda não aconteceu. Recorde-se que ao longos dos últimos meses houve várias notícias publicadas baseadas em "fontes anónimas de Belém", sem nunca Cavaco Silva se ter pronunciado oficialmente sobre tais notícias, incluindo esta.
A segunda nota remete para a responsabilidade política, assumida pelo topo da hierarquia. Mas tal como o Dr. Pinto de Albuquerque escreve que "os assessores do Presidente da República são homens e mulheres da confiança política do Presidente, que o informam e aconselham, ou seja, que o ajudam no exercício das suas funções constitucionais" e que "vigiar os assessores do Presidente da República é vigiar o Presidente da República", o contrário também acontece. Ao "chibarem-se" para os media, sob anonimato, os assessores do Presidente também colocam este em cheque, é como se a suspeita lançada tivesse sido feita pelo próprio Cavaco. Ao permitir que, ao longo dos últimos meses, os seus assessores se chibem para a comunicação social ao abrigo do anonimato, o Presidente está a pactuar com as fugas de informação e ao nã desmenti-las oficialmente, está a concordar, pois nestes casos o silêncio vale como declaração...

E aqui é que deixo a minha pergunta, semelhante à do Dr. Pinto de Albuquerque: qual é a sanção para o Presidente, no caso de se comprovar que tudo não passa de uma estratégia para queimar a imagem do Governo e do Primeiro-Ministro? É que todas as fugas de informação dos chibos de Belém são para prejudicar a imagem de José Sócrates e, como escreveu O Jumento, "as insinuações lançadas pelos assessores resultaram de instruções dadas pelo presidente, o que não seria nada de novo, o próprio Cavaco é dado a lançar insinuações, como sucedeu com o caso TVI ou com a recepção dos sindicalistas dos magistrados"...
Como escreve Fernanda Câncio, o Dr. Pinto de Albuquerque não deu a sua opinião "sobre o que deveria suceder se os assessores de um presidente (...) inventassem histórias sobre escutas e vigilâncias de que estariam a ser alvo a mando de um governo em funções e que isso se passasse ainda por cima num contexto de campanha eleitoral, em que o partido do presidente fosse opositor do partido do governo e que o presidente em causa não tugisse nem mugisse sobre o assunto." Como qualificaria os factos denunciados? Violações grosseiras da ética política? Crime? Quebra da solidariedade institucional? Fernanda Câncio termina a pedir que o Dr. Pinto de Albuquerque faça o favor de não a deixar na ignorância "e não se esqueça de dizer o que deveria ser feito nesse caso e quem tem a legitimidade e o dever de o fazer."
Também João Magalhães pergunta: "e quando a instituição que manifesta funcionamento irregular é a Presidência da República?"

De facto, a Constituição da República, nos seus artigos 120º a 140º, nada estipula sobre esta matéria. Como o Dr. Pinto de Albuquerque escreve e bem, o nosso sistema político "assenta num sistema de checks and balances entre os diversos órgãos do poder estadual, prevendo a Constituição os mecanismos de fiscalização da actividade de cada órgão constitucional." Por exemplo, o Presidente pode dissolver a Assembleia da República ou demitir o Governo e exonerar o Primeiro-Ministro (art.º 133º da CRP). Mas não existe nenhum poder dos restantes órgãos de soberania em relação ao Presidente. Este não pode, por exemplo, ser demitido, como nos EUA, onde existe o procedimento de "impeachment". Pode, porém, demitir-se, estando tal situação prevista no art. 131º da CRP, perder o cargo (artº 129º da CRP) ou ser destituído do cargo pela prática de crimes no exercício de funções (artº 130º da CRP).
No caso concreto, se se verificar que o Presidente, ou seus assessores com a sua conivência, usavam o cargo para fazerem jogos políticos e minarem as relações entre Presidente e Governo, não há nada previsto na Constituição que leve à demissão ou à destituição do Presidente. Resta, por isso, que Cavaco Silva entenda demitir-se (politicamente, não lhe restará alternativa se se provar esta hipótese).

Claro que tudo isto não passa de mais um fait-divers à boa maneira portuguesa, o que só desprestigia (ainda mais) a nossa política e afasta os cidadãos e os eleitores dos nossos "representantes". Especular é fácil e inventar factos ainda mais. Resta, a cada um de nós, acreditar ou não no que temos lido sobre esta novela. Pessoalmente, há muito que deixei de acreditar no que os nossos políticos dizem...

4 comentários:

Graza disse...

Só me lembro de uns exemplos sem relevância: Carlos Borrego por contar anedotas parvas, o ministro Pinho por se ter passado com os apartes do pró-coreano do PC e o Coelhone com medo que mais pontes velhas lhe caíssem em cima. De resto "neste país não há drama, tudo é intriga e trama", e enquanto a ética não entar na cabeça desta gente ela não seguirá o seu curso normal, que é, ser uma bandeira que todos respeitem.

Graza disse...

Gosto da foto/cabeçalho do Legalices.

Ricardo Sardo disse...

Nem mais caro Graza. E obrigado. Já perdi a conta a tantas vezes que mudei o cabeçalho do legalices, sem nunca ficar satisfeito. Até ter encontrado esta foto... no site do Min. da Justiça (mj.gov.pt).
Abraço.

Graza disse...

Sim tem razão já tinha deixado aqui o elogio ao cabeçalho, mas não tinha aqui voltado. :(