quarta-feira, 24 de janeiro de 2007

Referendo IVG

O Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, através de um vídeo (agora é moda), veio declarar que votará novamente "não" no referendo de 11 de Fevereiro, pois, afirma, a proposta de lei que vai a referendo pretende liberalizar e não descriminalizar. E que se fosse para apenas descriminalizar, votaria "sim.
Ora vejamos o que acontece se vencer o "não" e o "sim"...

- Vence o "não": a lei actual mantém-se, fazendo com que as mulheres que pretendam abortar o façam na clandestinidade, sofrendo os riscos que todos conhecemos

- Vence o "sim": as mulheres que pretendam abortar (nos casos previstos na lei) já o podem fazer utilizando ou clínicas privadas ou o Serviço Nacional de Saúde, com todas as condições de saúde para ser feito sem riscos de maior

- Se apenas fosse descriminalizado o aborto: continuaria a ser ilegal, mas as mulheres que o façam não são punidas, mas o problema principal (feito na clandestinidade, sem as condições de saúde necessárias, com enormes riscos para a saúde da mulher) mantém-se

Concluindo, mesmo que se admita que a proposta visa liberalizar (e admito que sim) o aborto até às 10 semanas, só assim se resolve o problema. Se apenas se descriminalizar, continua a ser ilegal e, como tal, não poderá ser realizado em estabelecimento médico adequado. As mulheres que abortem deixam de ser acusadas e punidas, mas continuam a fazê-lo na clandestinidade (ou em Espanha ou Londres se tiverem dinheiro para tal) e sem os cuidados de saúde necessários.
Como se costuma dizer em Direito, mais vale um culpado em liberdade que um inocente preso. O que o Prof. Marcelo, com o devido respeito, veio defender é que as mulheres não sejam punidas mas terão que realizar o aborto na clandestinidade sem condições médicas adequadas, ou então vão a Espanha ou Londres, se tiverem dinheiro para lá irem. Ou seja, vota “não”, mantendo a actua lei que as pune, quando considera injusto serem acusadas e punidas.

Termino com uma questão:
se se considera que, ao realizar um aborto, a mulher está a violar o direito à vida de um ser humano (e, como tal, a cometer um crime de homicídio), não deverá ser a mulher acusada e punida por tal facto?
Ora, se se está a admitir que não deve ser punida, está-se a conceder que o aborto é "justificável" e não é um homicídio e, portanto, deverão ser facultadas as condições médicas necessárias para fazê-lo em segurança.

O tema não é fácil nem linear. Não sou frontalmente a favor da despenalização. Mas concordo com a posição do Tribunal Constitucional tomada em 1984, quando apreciou da constitucionalidade do Código Penal de então e concluiu que, em determinados casos, o direito à vida deve conceder a outros direitos.

5 comentários:

Ricardo Sardo disse...

"A OA, em colaboração com a APD – Associação para o Progresso do Direito - debate o tema do próximo referendo, no dia 26 de Janeiro, às 18h. Advogados, Juízes e Médicos discutirão o percurso legal desde a consagração de causas justificativas, à pretendida despenalização do aborto por opção da mulher."

in http://www.oa.pt/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.aspx?idc=31632&ida=52011

Ricardo Sardo disse...

Vital Moreira, no Causa Nossa:

"O Bispo de Viseu deixou seguramente embaraçados os adeptos do "não" no referendo à despenalização do aborto, ao defender que não faz sentido punir as mulheres que se sentem compelidas a abortar, embora depois afirme votar com eles no referendo.
Mas o bispo não quer dar-se conta da contradição da sua posição: por um lado, a simples despenalização da mulher não resolveria o problema mais grave que a despenalização e a legalização se destinam a resolver, ou seja, o aborto clandestino; por outro lado, ao manter o seu voto contra a despenalização, o prelado mantém a actual punição penal das mulheres, com a qual não concorda. Afinal, em que ficamos?"

Ricardo Sardo disse...

Ivan Nunes, no 5 Dias:

"Na despenalização do aborto até há dez semanas, meu deus - quando a perseguição criminal é um método de combate ao aborto que já foi afastado em praticamente toda a Europa moderna e mesmo nos Estados Unidos?"

Ricardo Sardo disse...

Sofia Loureiro dos Santos, no defender o Quadrado:

"Se Matilde Sousa Franco e Maria do Rosário Carneiro estivessem verdadeiramente de acordo com a despenalização do aborto, votariam "sim" no referendo de 11 de Fevereiro, porque é precisamente essa a pergunta que é colocada: Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras 10 semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?

Os defensores do "não", ou seja, os defensores da manutenção da lei tal como está (porque mudá-la é responder "sim") deveriam assumir sem reservas que consideram que a punição está correcta, em vez de afirmarem que é preciso distinguir o erro da pessoa que o pratica.
(...)
Quem está verdadeiramente de acordo com a despenalização do aborto, ao contrário de Matilde Sousa Franco e Maria do Rosário Carneiro, votará "sim” no próximo referendo."

Ricardo Sardo disse...

Luís Costa, no público:

"Não vejo é como se pode defender que as mulheres que abortam prematuramente não devem ser presas e, ao mesmo tempo, anunciar que se votará contra a descriminalização proposta"