domingo, 27 de maio de 2007

Incompatibilidades dos Advogados alargada? (2)

"Um em cada cinco deputados estão sob a ameaça de serem declarados incompatíveis. São os que acumulam o mandato parlamentar com o exercícios da advocacia: 51 em 230, actualmente. A incompatibilidade pode também abranger os advogados que sejam vereadores de câmaras municipais.
A ameaça está presente numa discussão em curso na Ordem dos Advogados (OA), que quer declarar incompatíveis a actividade da advocacia com o exercício de cargos na administração pública central, local e regional, e em órgãos de soberania. O objectivo é afastar da profissão sobretudo os vereadores e os deputados.
Este assunto, que obriga à alteração dos Estatutos da OA (EOA), foi ontem debatido no conselho geral daquela entidade fiscalizadora da advocacia. Os conselheiros decidiram alargar a reflexão a toda a classe, pelo menos até ao início do Verão, altura em que a proposta final deverá seguir para o Parlamento para aprovação. A decisão, em última análise, cabe aos próprios deputados. O estatuto da OA é uma lei da Assembleia da República que só ali pode ser alterada.
A declaração de incompatibilidade do exercício da advocacia com o de deputado ou de vereador é um debate muito antigo entre os profissionais do foro. Quem está de fora da política vê com muito maus olhos colegas seus defender grandes causas empresariais, sabendo que, enquanto deputados ou vereadores, podem pugnar pela alteração das leis para que vençam os interesses dos seus clientes.
"A desigualdade de armas é, por vezes, flagrante", disse um advogado ao DN. "Os meios a que os advogados se devem socorrer para defender os interesse dos seus clientes devem ser iguais para todos", sublinhou.
Mas as incompatibilidades que alguns advogados querem ver declaradas, sobretudo os de prática isolada, abrangem outras áreas de actividades, nomeadamente a de jornalista e a de ministro de culto religioso.
O EOA, recorde-se, foi revisto há pouco mais de dois anos. A versão alterada entrou em vigor em Janeiro de 2005, tendo o debate circulado durante o ano de 2004. No fim, o conselho geral de então, presidido pelo bastonário José Miguel Júdice, acabou por propor uma revisão que evitou tocar nas incompatibilidades mais polémicas. Os deputados, os padres, os jornalistas, os vereadores que exerciam a advocacia puderam manter a acumulação de funções.
No actual conselho geral, presidido por Rogério Alves, a sensiblidade, sabe o DN, é para afastar da advocacia os que exercem cargos na administração pública e em órgãos de soberania. No Verão se saberá se, desta vez, serão capazes de o propor, colocando a "batata quente" nas mãos dos deputados. O debate público vai ser fundamental.
No Parlamento essa discussão também se está prestes a iniciar. O PCP tem um projecto que aperta o cerco sobre os deputados-advogados. Actualmente, um deputado não pode ter mais de dez por cento (ou ele ou algum seu familiar directo) numa empresa que tenha contratos com o Estado (por exemplo, uma farmácia).
Porém, a comissão parlamentar de Ética, presidida por Matos Correia (PSD), considerou recentemente, a propósito de uma dúvida suscitada pelo ex-deputado António Vitorino (PS), que esse impedimento não se estendia às quotas detidas por deputados em sociedades de advogados. Estas sociedades muitas vezes ou trabalham directamente para o Estado ou representam interesses que dependem do Estado (por exemplo, defendem clientes concorrentes a concursos públicos). O que o PCP quer tornar impossível é que um deputado (que suposta mente fiscaliza o Governo) acumule esta função com outras privadas (a advocacia) em que precise dos "favores" do Governo. Ao mesmo tempo, há propostas (do PS) para tornar ainda mais público (na Internet) o registo de interesses dos deputados. Acontece que este, no que toca aos parlamentares que exercem advocacia, dificilmente poderá revelar mais do que revela.
O Estatuto da Ordem dos Advogados proíbe que os seus membros divulguem os seus clientes, por um lado impedindo-os de fazer publicidade e por outro por questões de sigilo profissional."

(Diário de Notícias, 26.5.2007)

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