terça-feira, 1 de abril de 2008

E o processo disciplinar?

"Uma das razões por que a justiça tem vindo a descredibilizar-se perante o povo português deve-se à actuação de alguns Magistrados que utilizam de forma abusiva os seus poderes funcionais. Normalmente, os excessos são cometidos por pessoas psicologicamente inseguras e/ou tecnicamente mal preparadas como forma de ocultar esses défices. Mas também há casos em que os abusos são praticados unicamente por vaidade e/ou para humilhar pessoas de que não se gosta. (...)"

(António Marinho Pinto, in editorial do Boletim da Ordem dos Advogados nº 49)

O Bastonário dá ainda um exemplo do que considera um abuso da Magistratura. Um caso concreto, num Tribunal concreto, num processo concreto.
E eu deixo aqui outro...
No meu início de estágio, numa das escalas realizadas junto do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, fui chamado para um primeiro interrogatório judicial de arguido detido. Após terem sido colocadas algumas perguntas pelo Senhor Doutor Juiz de Instrução e recusados os pedidos de esclarecimento da minha parte, foi dada a palavra ao Digníssimo Magistrado do Ministério Público, para se pronunciar sobre a medida de coação a aplicar.
Ao demonstrar dúvidas sobre a medida a pedir e incerteza entre prisão preventiva e prisão domiciliária, o Senhor Doutor Juiz de Instrução sai-se com a frase bombástica: "um tipo destes não pode ficar em liberdade!"
O Magistrado do MP lá promoveu a prisão preventiva.
Dada a palavra ao defensor (eu), o Senhor Doutor Juiz de Instrução abandonou a sala, indo ao seu gabinete (sala contígua). Pediu à Senhora funcionária para o chamar quando eu terminasse as alegações (que iria ditar para a acta). Quando terminei, lá voltou e deu uma olhada rápida (poucos segundos) no computador. Claro que aplicou a prisão preventiva.
Já nem vou para a presunção de inocência (na fase de inquérito e no primeiro interrogatório judicial praticamente não existe contraditório nem defesa) que foi pura e simplesmente atirada para a sarjeta. O que mais me chocou foi a completa falta de sensibilidade para a função exercida. Colocar uma pessoa na prisão (mesmo que preventivamente) deve ser uma decisão que resulta de um processo de ponderação e de avaliação e não pode depender do preconceito de que todos os suspeitos são culpados.
Mas ainda hoje continuo com uma dúvida: se na altura tivesse denunciado o caso ao Conselho Superior de Magistratura, será que este órgão, que tem competência para exercer o poder disciplinar, teria sancionado este comportamente totalmente inaceitável num estado de direito democrático?

Na sexta-feira passada estive numa audiência de partes num Tribunal do Trabalho perto de Lisboa. Frustrada a primeira tentativa de citação da Ré, a Senhora Doutora Juiz promoveu a citação por solicitador.
Até à hora da diligência, a Solicitadora não tinha dito nada ao processo: se tinha citado, se não tinha citado, se sim, se sopas...
Claro que se eu, ou o meu cliente, tivessemos faltado, teríamos sanções. Mas... e a Solicitadora?
Depois do sucedido, comentei o facto com colegas daquela Comarca, que contaram-me que, afinal, não é a primeira vez que tal acontece com aquela Solicitadora.
Pergunto: e o processo disciplinar?

A semana passada foi publicada uma notícia que dava conta da condenação de um Procurador do Ministério Público pelo crime de coacção de órgão constitucional. Apesar de a sentença ainda não ter transitado em julgado (mantendo-se, portanto, a presunção de inocência), o facto ilícito foi praticado no exercício das suas funções como Magistrado do MP.
Volto a perguntar: e o processo disciplinar?

Se a estes casos somarmos este (dúvidas sobre a actuação do DIAP do Porto no "caso Bexiga"), este (inércia do Magistrado do MP no caso da menina atropelada em Lisboa) e mais alguns contados aqui, teremos necessariamente que concluir que os processos disciplinares em alguns órgãos com competência para o efeito não passa do papel.
Enquanto que os advogados são realmente avaliados e alvo de processos discplinares pela Ordem dos Advogados (basta ver a quantidade de sanções aplicadas e publicadas em editais nos tribunais), fica a sensação de que Magistratos Judiciais e Magistrados do Ministério Público não são, na prática, alvo de processos disciplinares ou, quando o são, já se sabe à partida que os processos irão ser arquivados. Sensação, esta, que se aplica também noutras classes profissionais, como a Ordem dos Médicos.

Este sentimento de impunidade corrói a confiança dos portugueses nas instituições e na Justiça. E quando isto acontece é a própria democracia que é posta em causa.

1 comentário:

Graza disse...

E não será um pouco isto que se pretende manter sobre reserva. Este "ter" liberdade de opinar?