Na sessão de abertura do ano judicial, o Bastonário da Ordem dos Advogados voltou a disparar críticas à magistratura, sobretudo ao Ministério Público, acusando os "sectores ligados à investigação criminal" de "perseguições e agressões morais aos advogados", referindo-se às buscas realizadas a um escritório de advogados relativas ao "caso Freeport".
Até aqui, nada de novo. O costume, até. Mas o pior veio depois...
Marinho Pinto disse que "um escritório de advogados só pode ser alvo de buscas quando houver fortes indícios de que o advogado em causa cometeu um crime que permita esse tipo de diligências" e que "o respectivo mandado deve indicar com precisão o concreto elemento de prova a apreender".
António Martins, presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, defendeu, logo à saída da sessão, que "as buscas a escritórios de advogados estão previstas na lei e só por ignorância é que se pode dizer que não podem ser feitas", em forma de crítica ao Bastonário.
Quem terá razão? O Bastonário, advogado que pratica direito criminal, ou António Martins, que há tempos mostrou ignorância numa questão que deveria, como juíz, conhecer bem?
O nº5 do artigo 177.º do Código de Processo Penal diz-nos que "tratando-se de busca em escritório de advogado (...), ela é, sob pena de nulidade, presidida pessoalmente pelo juíz, o qual avisa previamente o presidente do conselho local da Ordem dos Advogados (...) para que o mesmo, ou um seu delegado, possa estar presente." Ou seja, não existem especiais requisitos para que seja realizada busca em escritório de advogado.
Porém (e aqui é que reside o cerne da questão), o artigo 180.º (nº2), que define os termos em que são feitas apreensões em escritórios de advogados, diz-nos que "não é permitida, sob pena de nulidade, a apreensão de documentos abrangidos pelo segredo profissional (...), salvo se eles mesmo constituirem objecto ou elemento de um crime."
Ora, pode ser feita uma apreensão de um documento abrangido pelo sigilo profissional, desde que ele constitua objecto ou elemento do crime sob investigação. Isto é, o próprio advogado terá que estar envolvido no crime, sendo ele também autor do crime. O mesmo regime aplica-se, também, nas escutas (art.º 187º, nº5), em que as conversas entre advogado e arguido só podem interceptadas se elas constituirem objecto ou elemento do crime. Ou seja, só são admissíveis se o próprio advogado estiver, também ele, envolvido no crime e, de alguma forma, nele consentir ou colaborar.
Aplicando estes regimes ao "caso Freeport" ou a qualquer outro caso em que os advogados sejam objecto de revistas ou escutas, ou os seus escritórios objecto de buscas e apreensões, concluímos que apenas na hipótese de os advogados estarem igualmente envolvidos (ou existir forte suspeita de tal facto) é que há justificação legal para as buscas aos escritórios e apreensões de documentos abrangidos pelo sigilo profissional.
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