terça-feira, 19 de outubro de 2010

Perguntas que não são feitas

Recordo-me do período em que recebíamos 5 milhões de euros (1 milhão de contos na altura) por dia da UE para investirmos em infraestruturas. O betão cresceu, mas sobretudo nas vias rodoviárias. Muitas (auto) estradas foram construídas, mas, segundo um relatório da OCDE que não encontrei através do Google, 90% desse dinheiro não foi aplicado, não se sabendo bem para onde foi, mas todos desconfiamos em que bolsos aterraram. Escolas, hospitais, etc, só mais tarde foram construídas. Algumas. Poucas.
Recordo-me que, nesse período, a venda de Ferraris e outros automóveis topo de gama em Portugal disparou. Tal como cresceu brutalmente o número de condomínios fechados, de piscinas, de escolas "finas" (e caras), de uma série de serviços que antes estavam disponíveis apenas para meia-dúzia e passaram a ser acessíveis para umas quantas centenas que enriqueceram do dia para a noite, não se sabe bem como.
Recordo-me, também, do que os Bancos fizeram, por sede de lucro fácil e rápido e sei o que a maior parte deles continuam a fazer ainda hoje. De vez em quando lá recebo um telefonema de um deles para me vender crédito, sem me conhecerem ou saberem se tenho rendimentos para o pagar e apesar de já ter apresentado reclamação escrita e queixa-crime no DIAP de Lisboa por este comportamento.
Recordo-me dos submarinos, das festas, dos presentes, dos cartões de crédito e dos almoços por eles pagos, dos fatos de tecido italiano de qualidade pagos pelas subvenções estatais, dos subsídios pagos mesmo quando deles (comprovadamente) não necessitem, das inúmeras regalias que são vistas como direitos adquiridos, quando não são fruto do trabalho e da produtividade.
Recordo-me daqueles que passam o horário de expediente a "sacar" músicas, filmes e séries e a gravá-los em cd's e dvd's, começando a trabalhar depois desse horário para cobrar horas extraordinárias e em que o fazem porque não são avaliados, graças às greves e às manifestações dos eternos sindicalistas que os representam.
Recordo-me daqueles que passam o dia a fazerem intervalos para o pequeno-almoço, para a bica e para o cigarro, passando mais tempo em intervalos do que a trabalhar. E dos que passam o dia no Facebook e no Messenger, na conversa, a ver fotos e a ver vídeos do Youtube. Ou a trocar batatas e legumes no Farmville. Que se queixam que ganham mal, mas pouco ou nada fazem para merecer o emprego e o salário. E dos que preferem não fazer nada, auferindo subsídios, em vez de trabalhar e depois queixam-se que o subsídio acaba e exigem mais e mais, como se tivessem apenas direitos e não deveres.
Recordo-me que aqueles que aparecem constantemente na televisão e nos jornais a comentar a crise e avançando com propostas que, segundo eles, resolverão o problema, já tiveram chances de a resolver mas cometeram os mesmos erros, foram igualmente responsáveis pelo buraco em que deixaram o País e não fizeram melhor do que os que lá estão. Recordo-me que são os mesmos que dão aulas nas escolas e faculdades e ensinam os alunos - futuros gestores, economistas e governantes - a cometerem os mesmos erros que eles.
Recordo-me que tivemos meio Mundo nas nossas mão e estoirámos com tudo. Que tivemos uma das maiores indústrias exportadoras do Mundo (calçado e vestuário) e que, como de costume, estoirámos, graças à má gestão e à ganância e à procura do lucro rápido.

Recordo-me de muito mais coisas, ao contrário da maioria que tem memória curta e esquece-se (alguns por conveniência). Toda a gente pergunta como é que saímos da actual situação. Eu pergunto: esta gente não é responsabilizada, questionada, confrontada, acusada?

7 comentários:

HG disse...

Excelente comentário. Assim se resume o quem tem sido o nosso país.

Anónimo disse...

Não, exageras, além de auto-estradas fizeram-se também hospitais (o da minha terra), edifícios universitários, equipou-se muito laboratório, renovou-se muita escola, fez-se imenso investimento produtivo, a lista é gigantesca. Esta tua visão encerra verdades, todos conhecemos os abusos, mas sofre de óculos negros, é o velho queixume nacional-catastrofista. Procura lá melhor esse relatório da OCDE.

Ricardo Sardo disse...

Caro "anónimo", claro que se construiram. Eu referia-me ao período em que recebíamos 5 milhões de euros por dia. Antes e depois desse período construiram-se muitas infraestruturas. Mas naquele, em concreto, foram auto-estradas e pouco mais. Ah e muita porrada, pois quase todas as manif's terminavam em investida policial...
E caro "anónimo", se me lesse há mais tempo certamente não teria escrito que eu tenho uma visão catastrófica, bem pelo contrário. Se há optimista sou eu. Sempre o fui e sempre o serei. Mas a realidade está aí, por muito optimismo e motivação que tenha...
Quanto ao relatório, recordo-me perfeitamente de ver uma peça num telejornal, há poucos anos, em que falavam desse relatório e dos números que em cima indiquei. Nunca me esquecerei dessa notícia. Pesquisei no google, mas não o encontrei. Mas pode ter a certeza que, com mais tempo, procurarei nem que leve um dia inteiro.
Cumprimentos.

tempus fugit à pressa disse...

Com derrapagens cavaquistas de umas percentagens valentes na via do infante e nas redes de rega
do beliche e outras similares

mas graças a esses políticos visionários e aos seus sucessores
temos um país de auto estradas que faz a inveja a meio mundo
e facilita a viagem da galiza para Badajoz
isto é qué progresso
redes de rega para regar campos de golfe
os espanhóis são muito limitaditos
regam pessegueiros e alfaces

arinto disse...

Caro Ricardo Sardo
Confesso não recordar tê-lo lido anteriormente, o que considero desde já uma perda. Não sei se é profissional da pena ou se apenas tem "jeito" para a escrita. De qualquer forma, faça favor de continuar, para ver se se muda de vez com esta mentalidade de povo com brandos costumes.
Há muito pretendo alinhavar umas 50 medidas, senão para salvar este pais, pelo menos para lhe por um pouco de ordem, equilíbrio, seriedade e igualdade. Mas acho que, por formas absolutamente "democráticas", me calariam de imediacto.
Ainda assim, aqui fica uma das que implementaria se tal poder tivesse:
Vendo bem, a quase totalidade de ministros, 1os ministros, presidentes e secretários, foram, em algum período da sua vida, deputados. Então porque não criar uma espécie de serviço cívico obrigatório, 1 semana por semestre por ex, numa confecção, numa oficina, numa quinta, num laboratório, num escritório, numa repartição pública etc, para, pelo menos durante uma semana, tomarem contacto com a realidade. É que estes senhores, adoptados como profissionais da politica, nunca fizeram outra coisa na vida.Quando muito, foram professores universitários, que, e me perdoem os visados, não é forma de conhecer um país. Começam pelas "Jotas" e vão subindo sem nada saber do país. Nem sabem quanto é o ordenado mínimo....
Espero que só por esta não me prendam, já que métodos salazaristas começam a ser usuais. Já o copiam e, cá para mim, não lhe vão perdoar nunca o facto de ter morrido pobre... Mas isso já´seria outra estória.
Abraço

Francisco disse...

Foi mesmo desse período, o dos milhões europeus, que me lembrei ao ver a nova obra da Joana Vasconcelos.
Subsídios para comprar carros alemães e fazer piscinas. E falências fraudulentas para roubar o dinheiro dos trabalhadores. Falências executadas por administradores de falências sem escrúpulos nomeados por juízes da casta da aristocracia feudalista só agora exposta.

Ricardo Sardo disse...

Caro Arinto, um dos principais problemas é esse: a manifesta falta de preparação prática e experiência técnica de alguns governantes, que lá estão graças à "carreira" partidária e não às suas qualidades.
Cumprimentos.