Os Stella Awards são os prémios atribuídos nos EUA aos casos judiciais mais bizarros. Têm este nome em homenagem a Stella Liebeck, que derramou café quente no colo e processou, com sucesso, o McDonald's, recebendo quase 3 milhões de dólares de indemnização, alegando que o café estava excessivamente quente, provocando o acidente... Desde então, os Stella Awards existem como instituição independente, publicando e 'premiando' os casos menos ortodoxos.
O sistema norte-americano tem particularidades que convém realçar, para não confundirmos com o nosso sistema. Se em Portugal o mediatismo em torno de certos casos tem aumentado exponencialmente, continua, mesmo assim, bastante distante do envolvimentos dos media nos processos mais mediáticos no outro lado do Atlântico, de tal modo que até têm um canal por cabo, o Court TV, que transmite, em directo, julgamentos, sobretudo de homicídios, tendo sido o de O. J. Simpson um dos mais vistos, senão mesmo o mais visto.
É verdade que nos EUA existe a tradição de os Tribunais funcionarem para o público, para a sociedade, podendo esta acompanhar quase todas as fases do processo. Por uma questão de transparência, os Tribunais abrem as portas para quem quer ver como funciona (e decide) a Justiça os casos que lhe são apresentados. Em Portugal a tradição e a nossa cultura é precisamente a oposta. Temos Tribunais fechados aos quais a maioria das pessoas não tem acesso, os processos não são públicos e os cidadãos desconhecem, quase por completo, como eles funcionam e o que se passa dentro das salas de audiência.
Apresentados os dois sistemas judiciais, qual deles poderemos considerar melhor?
Recentemente têm vindo a público decisões judiciais que levantaram celeuma e enorme controvérsia e discussão. Desde a regulação de poder paternal de certas crianças à sentença que é posta em causa com a publicação de escutas incriminatórias dos absolvidos, passando pelos casos publicados em livros ou pelas dúvidas levantadas por uma eventual promiscuidade entre magistrados e outros sectores da sociedade, muitos são os casos que não são compreendidos pela generalidade dos cidadãos. Convém, portanto, ponderar se, tal como aqui (por exemplo, aqui, aqui ou aqui) já defendi por diversas vezes, devem os Tribunais prestar esclarecimentos públicos.
A Justiça é feita para as pessoas e estas precisam de entender e compreender a Justiça e as decisões, sob pena de a segurança jurídica sofrer novos abalos e continuar a ficar descredibilizada e a paz social ser severamente ameaçada. Títulos de jornais como este ou este criam a sensação de que os tribunais decidem mal, levando, em última análise, ao alarme social. Há uma semana, a viatura de uma conhecida figura pública - que foi absolvida em tribunal - foi atacada, logo a seguir à divulgação online de escutas que a incriminam. O alarme social poderia ser evitado com um esclarecimento público. E a prova de que os cidadãos desconfiam cada vez mais e compreendem cada vez menos a Justiça são as sondagens que os colocam abaixo dos políticos (sim, até dos políticos) em termos de popularidade e aprovação.
Os esclarecimentos públicos evitariam, também, confusões e erros como estes. Urge, pois, que os magistrados olhem para este problema com sentido crítico e tentem chegar a soluções que aumentem a confiança dos portugueses na Justiça. Em vez do sentido corporativo, que os leva a fecharem-se no seu castelo e a debaterem entre si os problemas, devem, a meu ver, abrir as portas dos Tribunais à sociedade e esclarecer e explicar com que linhas a Justiça se cose. Note-se, a título de exemplo, a decisão do Conselho Superior de Magistratura em publicar integralmente no seu site o Acórdão relativo a um processo mediático, de forma a que as pessoas pudessem ler a fundamentação do Tribunal ao tomar determinada decisão. E a verdade é que, depois da publicação, as críticas à decisão praticamente terminaram e a sociedade, que na sua maioria era contra a decisão, passou a entender o que se passou e a aceitar a posição judicial. Este caso deveria, aliás, servir de lição.
No último ano do curso tive um professor que, certa ver, nos disse o seguinte: "hoje podem ser liberais, mas daqui a uns anos, quando forem advogados ou magistrados, serão conservadores e opor-se-ão às alterações legislativas, pois não quererão voltar a estudar os mesmos diplomas". As críticas ao programa informático Citius são paradigmáticas deste conservadorismo que reina no meio forense. Creio que a esmagadora maioria dos magistrados - quer judiciais quer do Ministério Público - serão contra os esclarecimentos públicos em casos concretos. Mas entendo que se deveria, pelo menos, iniciar-se um debate amplo sobre esta questão, a qual modestamente considero ser uma possível solução para a crise profunda que a Justiça portuguesa atravessa. Claro que não corrigirá todos os defeitos, nem acabará com todos os problemas, como por exemplo a péssima técnica legislativa que abunda no Governo e no Parlamento (e que ainda esta semana foi criticado na abertura do ano Judicial, nomeadamente pelo Presidente da República) ou as repetidas violações ao segredo de justiça.
Vivemos na era do virtual. A internet, os blogues, o Twitter e as redes sociais passaram a fazer parte do nosso quotidiano. Até já se discute se os textos ali publicados são juridicamente válidos ou não. E já quase toda a gente fala das "quintinhas" do Facebook... Entrámos numa era em que a rede virtual domina as comunicações e a informação. Os jornais renderam-se à edições online.
Tornou-se imperioso actualizar a nossa Justiça, aproximando-a dos cidadãos e utilizando os meios por estes já escolhidos. Porque não, por exemplo, um site com a publicação diária de todas as sentenças, site esse promovido e gerido pelo Conselho Superior da Magistratura, para consulta de quem estiver interessado?
Posto isto, cumpre-me esclarecer que não pretendo uma mediatização da Justiça, mas tão só uma maior disponibilidade dos Tribunais para esclarecerem os cidadãos das suas decisões. Não defendo o debate público em torno do conteúdo das sentenças, mas apenas a sua publicação, para que todos nós possamos tomar conhecimento de toda a factualidade que levou à decisão. E ficaria, sem margem para qualquer dúvida, condicionada a propensão dos media para manipularem ou seleccionarem a informação que apenas eles recebem. O que sucede actualmente é julgarmos na praça pública e nos media os suspeitos/acusados, sem, muitas das vezes, compreendermos devidamente o porquê de as sentenças serem contrárias ao nosso próprio julgamento, situação esta que poderia ser prevenida com a publicação dessas mesmas sentenças.
Por muito que não gostemos da intervenção da comunicação social na Justiça, a verdade é que ela existe e tem direito a existir e a informar. Temos, por isso, de saber conviver com o "quarto poder" e até de o utilizarmos como meio de comunicação com os cidadãos, pois poderão ajudar a que as decisões cheguem mais facilmente a estes.
Uma Justiça aberta ao Mundo permite uma maior transparência e compreensão; uma Justiça fechada para dentro e alheia ao que a rodeia apenas afasta os cidadãos e perde credibilidade e respeito.
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